APRESENTAÇÃO

Este dossier digital pretende cumprir dois propósitos. O primeiro, prestar homenagem a uma das vozes mais importantes da literatura portuguesa do século XX. O segundo, afirmar-se como repositório centralizado de informação, tão completo quanto possível, que promova nova investigação sobre o escritor.

Integrado na linha de trabalho da Hemeroteca Digital, as publicações periódicas foram as fontes privilegiadas. Aos títulos da coleção da Hemeroteca, juntaram-se os referenciados no arquivo pessoal de José Cardoso Pires, cujo acesso permitiu internacionalizar os materiais que agora se publicam.

Outro contributo relevante é a disponibilização, em texto integral, da revista Almanaque, concebida por José Cardoso Pires, que para ela atraiu a colaboração gráfica de Sebastião Rodrigues e textos (a grande maioria não assinados) de Luís de Sttau Monteiro, Alexandre O'Neill, Augusto Abelaira, José Cutileiro, Vasco Pulido Valente e Armando Baptista Bastos, resultando num projeto editorial inovador para a sua época, que merece ser revisitado. À Edite, Ana e Rita Cardoso Pires, o nosso agradecimento por autorizarem a colocação desta importante revista em linha.

A este trabalho de compilação e reprodução digital juntaram-se contributos externos valiosos: destaque-se o testemunho de Lídia Jorge, o texto biográfico da autoria de Bruno Vieira Amaral, e o estudo de Sara Campino sobre a revista Almanaque. O nosso obrigado a todos.

Lançado no momento em que se assinalam os 20 anos sobre a morte de José Cardoso Pires, este dossier integra mais de 1300 recortes de imprensa, correspondentes a quase 3500 páginas digitalizadas, e cerca de duas centenas de referências a estudos sobre o autor e a sua obra (artigos, conferências, teses), quase metade das quais com hiperligação para o texto completo.

Apesar dos números enunciados, apresenta-se como um projeto em aberto, passível de assimilar contribuições, correções e propostas de melhoria. Para esse efeito, foi criado o email de contacto dossiercardosopires@gmail.com.

João Carlos Oliveira

6 de novembro, 2018



 

TESTEMUNHO: A GRANDEZA DE JOSÉ CARDOSO PIRES

"José Cardoso Pires é um dos maiores escritores do mundo. Superlativo? Não importa. Pode ler-se à vontade de uma outra forma. José Cardoso Pires é um dos maiores escritores do meu mundo. Ele sabia que eu pensava assim e algumas vezes lho escrevi. Aliás, a palavra mundo para ele era importante, porque a escrita do José era feita para um horizonte vasto. Fosse o que fosse que escrevesse, sempre se dirigia para um destinatário amplo. Tinha necessidade de não estar aqui, a sua escrita necessitava de não se confinar nem a esta língua nem a este lugar, desejava ser daqui e não ser daqui, ser de outra parte, longínqua e aberta, ser livre. Talvez o momento em que o vi mais feliz tivesse sido, certa vez, a caminho de Nova Iorque. Estávamos no Canadá  e, de repente, chamaram-no para ir até ao outro lado para  visitar amigos e fazer uma ronda por universidades. Sim, iria imediatamente. A sua ideia era de que em Nova Iorque batia o coração do mundo criativo. Nessa cidade, que em tempos lhe recusara a entrada, desaguavam os rios mais imaginativos do seu futuro. Tinha de partir rápido. Era como se houvesse nele um Arthur Miller ou um Norman  Mailer com  quem dialogasse no mundo do seu afecto e da sua dimensão literária. Por isso ele odiava o francês, que confundia com o perto, o agricultor, a aldeia, o monte, a província, a escrita que vinha de perto, porque ele quereria ter tido um campo vasto como o de Faulkner, mais límpido, menos cruel, mais feliz também. Sempre o vi assim. Desde o primeiro encontro que tive com ele, na Gulbenkian, no início dos anos oitenta, em que me falou dessas raízes mentais longínquas, essas raízes urbanas onde ele, por uma segunda vez, havia nascido para sempre. Percebi isso depois, fui percebendo, que a sua tragédia era essa, a de existir num país pequeno, numa sociedade pequena, num bar que ficava logo ali, a ausência duma geografia vasta e duma guerra real como a que o Hemingway teve. Tragédia que afinal se transformou na matéria viva dos seus melhores livros – O Anjo Ancorado, O Hóspede de Job, O Delfim. O mundo português, autopunitivo e mesquinho, enrolado sobre si mesmo, em Balada da Praia dos Cães. O mundo lusitano que ao mesmo tempo o repelia e o atraía, oferecendo-lhe a sua saga. Sim, não fui demasiado próxima de José Cardoso Pires, apenas quase de longe, fui sua amiga e admirei-o muitíssimo. Aliás, não me interessava espreitar a sua alma quotidiana, sempre tive vergonha de o fazer, fosse junto de quem fosse. Quando admiro a obra de alguém, tenho pudor de captar esse outro ser real, o que toma um copo na mão e veste certa roupa de braceleiras para andar por casa. Mas era impossível não estar perto dele assim, rebelde como era. Corajoso, risonho, irreverente. Uma asa de rebelde sempre levantada, estivesse onde estivesse. Também a prosa dele, na sua síntese seca e abrupta, nascia assim. Uma rebeldia com pudor. Parca por receio de deixar franjas à vista. O medo de que alguma coisa de enfeite sobejasse e no sobejo houvesse uma revelação traidora. O medo de um erro, um desperdício. O que sempre de melhor se amará na sua escrita será isso – um esforço para ser limpo, sóbrio, transparente como um vidro, cortante como o gume que nele se esconde. Cortar, cortar, cortar. Era a forma de exercer na escrita a sua liberdade, e usou-a até à última página. Silêncios que fez na escrita, sempre os interpretei como esse exercício de liberdade que consiste, por vezes, em não escrever. Não gostava de se ver preso. Também sempre interpretei a sua fala feita às mesas como esse desejo de se libertar de alguma coisa que o prendia. O próprio país prendia-o. A Literatura portuguesa prendia-o. O próprio mundo o prendia. Num filme recente onde entrava, José Cardoso Pires, sentado à janela, numa carruagem do metropolitano, corria, sério, aprisionado debaixo do chão, corria, metido consigo, a olhar para as plataformas, como se ninguém o filmasse nem o visse. A imagem dum aprisionado que corre no espaço possível.

Mas da última vez que falámos, por contraste, José Cardoso Pires parecia liberto. Fui vê-lo. Nesse sábado recente, falou durante quatro horas da sua vida e dos seus autores. Falou do futebol, da política, dos amigos, deu conselhos, fez avisos, marcou-me um encontro para dali a uns dias. Ria e falava, às tantas ria tanto, ao lado da tisana, que eu mesma nem sabia porque ria. Ri com ele. A Edite estava por perto e não sei se soube porque ríamos. É verdade que ele estava ancorado à cadeira. Mas não estava. Ficámos de nos ver. Agora não sei se me vê. É assim que o vejo, como à sua escrita,  um anjo ancorado à espera da fuga. É esse anjo ancorado que está livre, no universo dos livros onde fica como um dos maiores do mundo. Do mundo que me foi dado a ler."

                                               Lídia Jorge

                                               JL. 4 de novembro, 1998

 
A 4 de novembro de
1998, o Jornal de Letras dedicava um número especial à figura e obra de José Cardoso Pires, de quem nos tínhamos despedido poucos dias antes, na Biblioteca das Galveias. Para esse número, José Carlos de Vasconcelos convidou amigos e admiradores para escreverem sobre aquele que partia mas deixava uma obra única para a posteridade. Sentei-me então à mesa e escrevi um texto com a memória recente, e a paixão viva, pela sua pessoa de perfil inconfundível como nunca mais encontraria na vida. Passados vinte anos, João Oliveira, coordenador da Hemeroteca Municipal de Lisboa, pediu-me que falasse sobre José Cardoso Pires. Comecei a recordar, e a certa altura o João Oliveira disse-me que tudo o que eu acabava de dizer era tal e qual o que havia escrito para o JL de 1998. Para que eu confirmasse, enviou-me o texto reproduzido. Tinha razão. Como se o tempo não tivesse passado, como se aqueles dias distantes estivessem juntos aos dias presentes, eu hoje escreveria o mesmo sobre José Cardoso  Pires. A esse texto, eu apenas desejaria acrescentar sobre a justiça necessária que em breve a Escola, a Sociedade, e todas as comunidades de leitores de Portugal, terão de fazer a este imenso e singular escritor moderníssimo do século XXI, no que este dossier digital é um primeiro passo. O texto que então escrevi é o que acima se transcreve.

    Lídia Jorge

26 de outubro, 2018

       



 

BIOGRAFIA

José Augusto Neves Cardoso Pires nasceu às quatro da tarde do dia 2 de outubro de 1925 na aldeia de São João do Peso, concelho de Vila de Rei. Os pais, residentes em Lisboa, na Calçada de Arroios, eram ambos oriundos da Beira Baixa e resolveram que o filho nasceria ali. O pai, José António Neves, oficial da Marinha, onde se alistara ainda antes da implantação da República, era de origens bastante humildes e enviuvara cedo da primeira mulher. A mãe, Maria Sofia Cardoso Pires, era natural de Cardigos, nascida numa família de pequenos proprietários rurais.

A infância do pequeno José foi passada no 1º andar do nº 7 da rua Carlos José Barreiros, em Arroios, para onde a família entretanto se mudara. Em 1932, com seis anos de idade, e já após o nascimento dos irmãos Maria de Lurdes, em 1927, e António Nuno, em 1931, entrou para a escola primária nº 14, no Largo do Leão, onde teve como professora Leonor de Jesus Coelho. Entretanto, o pai já fora promovido a tenente e, naqueles anos, as condições económicas da família foram melhorando paulatinamente.

As brincadeiras na rua com outros miúdos da sua idade, as idas ao cinema para ver fitas de cowboys, cujas histórias depois eram recriadas para os amigos, e os passeios pelo Chiado aos domingos, de mão dada com o pai, marcaram aquele tempo. A infância de José foi marcada pela religiosidade da mãe, uma mulher muito devota que até ao fim da vida permaneceu uma provinciana deslocada na cidade, o que cedo criou no filho mais velho o desejo de transpor os limites da vida pequeno-burguesa que os pais tinham idealizado para a descendência. A mãe de José levava-o à igreja de São Jorge de Arroios – “uma das mais pobres igrejas de Lisboa, embora cheia de claridade e simpática”, no dizer de um cronista – que ficava quase à porta de casa. Quando ia para a escola, era acompanhado pela criada, Maria, uma rapariga que a família mandara vir lá da terra para servir em casa, o que, juntamente com a obrigação decretada pela mãe de usar caneleiras, eram causa de grande humilhação para o pequeno José.

A 1 de Agosto de 1936, José Cardoso Pires fez exame e foi admitido no Liceu Camões. Esse foi um ano em que o aparelho de repressão e doutrinação do Estado Novo conheceu um grande impulso com a abertura do campo do Tarrafal e a criação da Mocidade Portuguesa e da Legião Portuguesa. Anos mais tarde, o escritor recordaria o ambiente do liceu como o de um espaço concentracionário, mas aí talvez fosse mais o seu lado rebelde e a sua ânsia de liberdade a falarem.

Cardoso Pires nunca foi um aluno excecional. Os seus companheiros de turma, que haveriam de ter carreiras ligadas às letras, Luiz Pacheco e Jaime Salazar Sampaio, brilhavam nas notas. Ele destacava-se, sim, nas ocasionais brigas e nos jogos de futebol. Baixote, o que o atormentava, compensava esse handicap com uma agilidade de pugilista e um feitio brigão que manteve ao longo da vida. Aos poucos, o gosto pela escrita começou a concorrer com outros interesses. Estreou-se n’O Pinguim, um jornal escolar dirigido por Luiz Pacheco, com o conto Aventuras do Mosquito Zig-Zague. Datam dessa altura as suas primeiras paixões literárias, como o escritor colombiano Vargas Vila e, acima de todos, o escritor francês Pierre Loti, pseudónimo de Julien Viaud. Sobre este haveria de escrever um pequeno ensaio para A Cidade dos Rapazes, publicado a 23 de fevereiro de 1943, e intitulado “Loti, O Sonhador”. Neste jornal dirigido à juventude publicou no nº 6 o conto “A Palmeira do Areal”, assinado com Cardoso Pires.

Concluídos os estudos liceais, tentou enveredar pelo jornalismo. Recorreu para tal a Joaquim Manso, diretor do Diário de Lisboa, e irmão da primeira mulher do pai de Cardoso Pires. A tentativa não correu bem. Joaquim Manso destruiu a visão idealista que o jovem tinha do jornalismo ao dizer-lhe que era um mundo em que imperavam as trocas de favores. A desilusão empurrou-o para o curso de Matemáticas Superiores, na Faculdade de Ciências de Lisboa, contrariando também a vontade do pai de que se alistasse na Marinha. Mas se havia fascínio por aquela área não foi suficiente para prosseguir os estudos e Cardoso Pires acabou por desistir do curso ainda antes de completar o segundo ano.

Em 1945, com dezanove anos, iniciou, com Luiz Pacheco, uma colaboração com o jornal Globo, onde faziam recensões literárias. A 15 de março desse ano publicou o conto “Alvorecer”, o primeiro onde já se notam alguns dos traços do futuro escritor. A 1 de junho saiu o primeiro nº da página universitária Novos Horizontes, um suplemento juvenil daquele jornal, dirigido por Luiz Pacheco e pelo próprio Cardoso Pires. Nesse mesmo mês, saíram, na revista Afinidades, do Instituto Francês, as suas primeiras críticas literárias assinadas.

Contudo, Cardoso Pires devia intuir que esta vida de literato não era fato que lhe assentasse bem. Para o que queria escrever, e O Dia Cinzento, livro de contos de Mário Dionísio publicado um ano antes, terá sido um dos modelos, faltava-lhe experiência. A carreira do pai na Marinha, a possibilidade de aventura e o facto de, naquele ano, ter sido criado o posto de praticante de piloto sem curso, que dispensava qualquer formação prévia, levaram-no a alistar-se na Marinha Mercante. Tal como Pierre Loti, Pires queria entregar-se à “espinhosa missão de sulcar oceanos” e dessa forma “conhecer o mundo que ele ardentemente desejava percorrer e observar.”

A 28 de julho de 1945, o cargueiro Sofala, o maior da frota nacional, zarpou de Lisboa tendo como destino final Timor com um jovem Cardoso Pires a bordo e essa viagem, por variados motivos, haveria de ser decisiva para o seu futuro. O comandante do navio era um experiente lobo do mar, Gustavo Peixe, originário de Ílhavo, “um autêntico personagem de Moby Dick”, como dele diria anos mais tarde o próprio Cardoso Pires. Sem nada saber de navegação, o jovem praticante acompanhava o segundo copiloto na ponte do comando e aproveitava todos os momentos livres, que eram muitos, para pôr a leitura em dia, sobretudo autores norte-americanos, como Erskine Caldwell e Damon Runyon, que lia na língua original.

Tanto quanto com o que lia, Cardoso Pires ficou impressionado com o que lhe foi dado ver e que era muito distante da sua experiência de rapaz lisboeta. No Lobito, onde o Sofala atracou em finais de agosto, testemunhou “o ritual mais repugnante que alguma vez me foi dado conhecer: a desfloração de garotas negras por marinheiros de passagem.”

Poucas semanas depois, em Durban, na África do Sul, viu a morte pela primeira vez perto de si, como contou mais tarde numa entrevista radiofónica: “Foi durante a guerra, em Durban, um americano e um preto inglês ou sul-africano envolveram-se numa rixa e eu meti-me no meio daquilo tudo e foi a única vez na minha vida que vi uma pistola apontada para mim – felizmente, só depois é que me apercebi de que aquilo era uma pistola.” Mas as experiências invulgares não se ficaram por aí. Já em Lourenço Marques testemunhou em primeira mão o funcionamento do sistema colonial: “outra demonstração da moral colonialista. Esta agora pública, sem disfarces. Sentado na esplanada do café Scala, no sítio mais central da cidade, vi, uma tarde, filas de presos a asfaltarem o pavimento da avenida, ligados por correntes uns aos outros, como escravos.” Foi aí, em Moçambique, que um marinheiro cabo-verdiano, embarcado num navio norte-americano, o desafiou a juntar-se a ele. Cardoso Pires não resistiu ao canto de sereia da aventura e resolveu desertar. Porém, não teve muita sorte. Quando se preparava para se juntar à tripulação do “Myomy Baldwin” foi apanhado. A intervenção do pai, que conhecia o diretor do porto de Lourenço Marques, foi providencial para garantir o regresso de Cardoso Pires a Lisboa em condições dignas. Veio então no paquete Niassa, onde conheceu o mágico Ling-Choung, o nome de palco do artista Otávio de Matos, que durante a viagem lhe arranjava cigarros americanos. Chegou a Lisboa a 29 de outubro de 1945 não sem que antes se tivesse envolvido numa zaragata a bordo, que culminou numa agressão a um dos tripulantes. Esse comportamento haveria de lhe valer a expulsão compulsiva da Marinha por suspeita de indisciplina.

Não que o fim de uma carreira na Marinha o preocupasse muito. A viver sozinho, Cardoso Pires arranjou uma série de trabalhos alimentares. Ao mesmo tempo, e mais importante, mantinha colaborações com a imprensa e escrevia os primeiros contos “a sério”. Em dezembro de 1945, publicou na revista Afinidades um ensaio muito interessante com o título “A Experiência na Criação Literária” em que, no fundo, fazia uma síntese do seu pensamento sobre a literatura enquanto leitor, crítico e futuro escritor. O conto “A Esta Hora”, publicado no nº 17 da Afinidades, em abril de 1946, foi a materialização literária das ideias que vinha desenvolvendo. Ainda mais importante foi a participação numa antologia organizada pelos antigos colegas de liceu, Salazar Sampaio e Luiz Pacheco, com o conto “Semana Inglesa”, inspirado na prosa de Runyon e na experiência de Cardoso Pires como apontador de cais, um dos vários empregos que foi tendo naquela altura. Bloco, assim se intitulava a antologia, foi apreendida pela PIDE ainda na tipografia e não chegou a ser comercializada, num primeiro embate, ainda que indireto, do escritor com o regime.

A 13 de agosto de 1947, após ter estado internado no Hospital da Marinha semanas antes, José António Neves morreu em casa. Tinha 62 anos. Poucos dias depois, Cardoso Pires dava entrada na Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas para cumprir o serviço militar. Na altura já tinha finalizado uma primeira versão de um livro de contos que entregara a Mário Dionísio com o pedido de que este fizesse uma apreciação crítica da obra com o título provisório de Grau Zero. Dionísio ficou impressionado positivamente com o livro (“A grande qualidade de “Grau zero”, dentro do campo propriamente literário, é aproveitar a linguagem criada pelos norte-americanos, principalmente, sem cair como alguns deles (e seus sequazes cá do jardim à beira mar plantado) no esquecimento da maneira social e humana”) e prometeu que o iria ajudar a encontrar editor.

Contudo, ainda teriam de passar dois anos até que o livro de estreia de Cardoso Pires visse a luz do dia, já com o título Os Caminheiros e outros contos e com a chancela do Centro Bibliográfico, que emprestava ao livro uma certa dignidade editorial mas que era, na verdade, uma edição de autor para a qual contribuíram os amigos de Cardoso Pires. O livro conheceu uma receção entusiástica por parte da crítica. João Gaspar Simões e o próprio Mário Dionísio não lhe pouparam elogios e Cardoso Pires fixou-se de imediato no meio literário como um nome a ter em conta.

Tendo passado por vários trabalhos, aproveitava todo o tempo livre para escrever, sobretudo contos. Ao mesmo tempo, começava a envolver-se em movimentos políticos ligados à oposição. Apesar disso, em 1949, a PIDE, após receber uma carta a alertar para as atividades suspeitas do jovem “Neves”, vigiara-o e garantia que politicamente nada havia em seu desabono. O certo é que se aproximou de figuras como Maria Lamas, Castro Soromenho e Lyon de Castro, intelectuais com ligações ao Partido Comunista ou à oposição ao regime. Nessa altura, fundou com Victor Palla a coleção de bolso Os Livros das Três Abelhas, na editorial Gleba, e começou a trabalhar como secretário da redação na revista Eva, dirigida ao público feminino, e onde, nos anos seguintes, publicou alguns contos como “Uma Simples Flor nos Teus Cabelos Claros” e “Pequeno Romance de D. Augusta Mendes dos Santos”, além de reportagens e crónicas. 

No verão de 1952, saiu, na coleção que fundara com Victor Palla, o seu muito aguardado segundo livro, Histórias de Amor, rapidamente apreendido pela PIDE por indicação dos serviços da censura. Do relatório constava o seguinte: “Imoral. Contos de misérias sociais e em que o aspecto sexual se revela indecorosamente. De proibir.” Para Cardoso Pires, foi um violento golpe nas suas aspirações literárias pois percebeu que o livro em que tinha trabalhado durante três anos iria ser votado ao esquecimento e nem algumas críticas positivas que surgiram na imprensa e opiniões favoráveis que lhe chegaram através de carta podiam atenuar a sensação de esforço inútil. A 26 de outubro, inconformado, Cardoso Pires enviou uma carta aos serviços da censura, mas a decisão de apreensão não foi alterada. A proibição do livro teve uma única vantagem: o infeliz prefácio com que Cardoso Pires decidiu abrir o livro (e muito criticado por todos os que o leram por causa do seu estilo gongórico e hermético) também haveria de cair no esquecimento.

Este revés aumentou as dúvidas que Cardoso Pires tinha acerca do seu futuro enquanto escritor. Dúvidas que expressava, por exemplo, em cartas enviadas a Maria Lamas. Mas a vocação era mais forte que as inseguranças e começou a trabalhar num novo projeto, este de uma narrativa mais longa, que tinha o título de “As Pegadas e o Vento”, e em que se propunha analisar os sonhos e fracassos da geração de 45. Isto sem descurar o seu ativismo cívico. A 12 de fevereiro de 1953, era o mais jovem dos intelectuais num jantar de homenagem ao escritor brasileiro Jorge Amado, um “conhecido comunista”, no aeroporto de Lisboa, onde este fizera escala a caminho do Rio de Janeiro. Entre nomes tão destacados como Ferreira de Castro, Alves Redol, Maria Lamas e Mário Dionísio, lá estava o jovem Cardoso Pires.

Em março lançou-se noutro projeto, este inspirado na sua experiência como oficial miliciano. O primeiro título era “Hóspede da Mais Negra Providência”. Menos de um mês depois, o irmão, António Nuno, soldado-cadete na Base Aérea de Sintra e membro da Mocidade Portuguesa, morreu num acidente de aviação, com o avião que pilotava a despenhar-se e incendiar-se perto de Caneças. O episódio trágico, e que de certa forma ilustrava as relações diplomático-militares do regime com os Estados Unidos, reforçou ainda mais a intenção de Cardoso Pires de escrever o livro, que seria assim uma espécie de denúncia. No entanto, após a apreensão de Histórias de Amor, todos os cuidados eram poucos.

No final desse ano, um novo episódio no aeroporto de Lisboa dava conta dos esforços dos intelectuais ligados à oposição e a perseguição e vigilância implacáveis que a polícia política lhes movia. No dia 20 de dezembro, Maria Lamas, de regresso de Paris e aguardada por uma multidão onde se incluíam algumas das figuras de grande prestígio do meio literário, foi presa. Houve uma carga policial e alguns dos escritores presentes acabaram também por ser presos. Outros, como Castro Soromenho e Cardoso Pires, conseguiram escapar.

Entretanto, Cardoso Pires desdobrava-se em várias atividades, como a de tradutor, sendo uma das suas traduções mais relevantes a da peça A Morte de um Caixeiro Viajante, do dramaturgo norte-americano Arthur Miller. Do Brasil, chegava um primeiro sinal de reconhecimento no exterior, com a inclusão do conto “Estrada 43” no volume Maravilhas do Conto Português, da editora Cultrix.

Em 1954, Cardoso Pires aventurou-se no mercado editorial, uma vez mais em colaboração com Victor Palla. A ideia era criar uma editora especializada em edições de luxo em fascículos, um mercado para o qual, à época, as perspetivas eram bastante animadoras. Nascia assim a Fólio – Edições Artísticas. Mas, a nível pessoal, esse ano ainda foi mais importante porque foi quando Cardoso Pires conheceu e se casou com Maria Edite Pereira. Edite era irmã do escultor Vasco da Conceição, militante comunista, que naquela altura partilhava o atelier com o pintor Júlio Pomar, amigo de juventude de Cardoso Pires. Foi nesse atelier que se conheceram em maio. A 8 de julho, após um namoro-relâmpago, casaram-se na conservatória de Arroios.

A braços com a Fólio e ainda a colaborar com a revista Eva, Cardoso Pires não tinha muito tempo livre para a escrita. As possibilidades económicas da edição da versão do Dom Quixote de Aquilino Ribeiro, com ilustrações de Lima de Freitas, faziam-no ponderar deixar de vez a revista Eva. Ainda assim, entre tantas solicitações, tinha conseguido finalizar uma primeira versão de O Hóspede de Job. Porém, receava que a sensibilidade do tema lhe trouxesse mais problemas com a censura e começou a pensar numa maneira de contornar eventuais obstáculos. A ideia era simples, embora a execução não fosse fácil: conseguir publicar o livro no estrangeiro antes de ser editado em Portugal, o que impediria a censura de agir quando o livro aparecesse por cá. A primeira hipótese foi publicá-lo em França, tendo recorrido para o efeito à intervenção de Castro Soromenho, na altura a viver em Paris. Castro Soromenho, Maria Lamas e Mário Pinto de Andrade, a quem Cardoso Pires tinha dado a ler o manuscrito, gostaram do livro, mas mesmo assim não era garantido que uma editora francesa pegasse num primeiro romance de um autor português praticamente desconhecido no estrangeiro. Por essa razão, enquanto ia trabalhando no romance, o escritor desenvolvia As Pegadas e o Vento, já com um novo título, O Anjo Ancorado, e preparava aquela que seria a sua estreia na dramaturgia, uma peça sobre a revolta da Maria da Fonte, no século XIX.

Em setembro de 1956, nasceu a primeira filha de José e de Edite, Ana. Na altura viviam no Bairro das Estacas, num apartamento na rua Bulhão Pato. Nessa época, juntamente com Carlos de Oliveira, coordenou uma grande antologia do conto universal encomendada pela livraria Atlântida, de Coimbra e, pouco meses depois, iniciou o projeto de publicação de um Fabulário de Portugal e do Brasil na Fólio. Com a publicação de O Hóspede de Job num impasse, assinou contrato com a Ulisseia, de Figueiredo Magalhães, pelo qual recebeu um adiantamento de doze contos, que previa a edição do romance para breve, apesar das dúvidas quanto aos problemas que poderia ter com a censura e sem que estivesse prevista qualquer edição no estrangeiro. A relação com Figueiredo Magalhães estreitou-se, Cardoso Pires começou a colaborar de forma regular com a editora e, em março de 1958, assinou o prefácio do livro de Norman Mailer, Os Nus e os Mortos.

Em julho desse ano foi um dos representantes portugueses no Congresso Mundial para a Paz, que decorreu em Estocolmo. Não regressou logo a Portugal. Figueiredo Magalhães tinha em mente a criação de um semanário que se destacaria pelos artigos de fundo e por grandes entrevistas com figuras da política internacional. Para os três primeiros números tinha decidido que Alexandre O’Neill entrevistaria o Presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, Castro Soromenho entrevistaria o líder jugoslavo Tito e José Cardoso Pires iria à Polónia entrevistar Wladislaw Gomulka, o líder da Polónia comunista. Por isso, no final de julho, o escritor seguiu para Berlim, à espera de indicações de Figueiredo Magalhães. Este distraiu-se e, num telegrama, disse-lhe que tinham conseguido a entrevista com Wladyslaw Gomulka, o líder da Polónia comunista. Foi o suficiente para a PIDE entrar em ação. O projeto do jornal, já aprovado pela censura e no qual o editor já tinha investido 200 contos, foi imediatamente cancelado.

Em outubro, seis anos depois de Histórias de Amor, Cardoso Pires voltava a publicar um livro, já na Ulisseia. Não era O Hóspede de Job, ainda na gaveta à espera de ventos mais favoráveis, mas O Anjo Ancorado, o livro em que pretendia dissecar os sonhos e as desilusões da geração que, em 1945, no final da guerra, acreditou que o regime salazarista estaria à beira do fim. Um mês depois, nasceu Rita Cardoso Pires, a segunda filha do casal.

O Anjo Ancorado recebeu elogios da crítica, mas também alguns reparos. João Gaspar Simões escreveu no “Diário de Notícias” que “dentro da sua geração, não vejo quem se lhe avantaje na arte segura, tensa, rápida, sóbria, mágica, direi, mesmo, de contar uma história, de evocar um episódio, de pôr de pé uma fábula” e que O Anjo Ancorado era já “uma obra excepcional: uma bela, impetuosa e sadia página da nossa novelística contemporânea.” No entanto, não gostava do recurso às notas de rodapé e achava que José Cardoso Pires ainda tinha de publicar a obra que o consagrasse definitivamente. De qualquer maneira, nesta novela, Cardoso Pires libertava-se em definitivo da influência dos escritores norte-americanos que tinham marcado os seus primeiros livros, sobretudo os Caminheiros, e procurava retratar um mundo, o da pequena burguesia, que ainda não tinha o seu espaço, e uma linguagem literária correspondente, na literatura portuguesa. Na opinião de alguns leitores, isso resultava num retrato desequilibrado entre personagens da cidade e personagens da aldeia, como lhe mencionou o advogado Fernando Barros numa carta pessoal: “Formal e tecnicamente, acho uma verdadeira obra-prima. […] Quanto ao pessoal humano, vinte valores para a malta de São Romão, que também está toda aqui diante de mim […] os outros dois, se os vir na rua, não tenho a certeza de os reconhecer. Bem sei que a coisa é mais política, brumosa, intelectualizada.”

Cardoso Pires estava num processo de viragem do seu projeto literário, indo beber influências a autores portugueses dos séculos XVII e XVIII, como D. Luís da Cunha e Cavaleiro de Oliveira, espanhóis, como Pio Baroja, e franceses, como Roger Vailland. Em 1959, a Ulisseia publicou Drôle de Jeu, de Vailland, numa tradução de Hélder Macedo. O título em português, Cabra Cega, foi uma sugestão de Cardoso Pires que também assinou o prefácio. Nesse texto estavam as linhas mestras do que viria a ser o ensaio A Cartilha do Marialva.

A 11 de Março de 1959 deu-se o chamado Golpe da Sé, uma tentativa de golpe militar para derrubar o regime e que foi rapidamente anulada, com a maioria dos intervenientes diretos a serem presos.

A Fólio continuava, apesar de ser uma fonte de preocupações e dívidas. Cardoso Pires tinha desafiado Mário Pinto de Andrade para fazer um Fabulário Africano e, ao mesmo tempo, sondava o intelectual angolano sobre a possibilidade de publicar O Hóspede de Job lá fora. Após o cancelamento do projeto do semanário, Figueiredo Magalhães congeminou a ideia de uma publicação não periódica que lhe permitiria, de uma assentada, escapar ao exame da censura e aproveitar os recursos. Juntou uma equipa de luxo, liderada por Cardoso Pires e com nomes fortes como os de Luís Sttau Monteiro, Alexandre O’Neill e os jovens José Cutileiro e Vasco Pulido Valente, além do craque do design Sebastião Rodrigues, e assim nasceu o Almanaque, uma revista única no panorama da edição portuguesa e, à época, completamente revolucionária, cujo primeiro número saiu em outubro de 1959. A revista era financiada pelo Grupo de Publicações Periódicas, que pertencia aos donos da sociedade Abel Pereira da Fonseca, mas quem dirigia o projeto era Figueiredo Magalhães, com Cardoso Pires responsável pelos conteúdos. O ambiente no escritório da rua da Madalena era muito mais descontraído do que o de uma redação normal. Não havia horários rígidos, cada colaborador trabalhava mais ou menos em autogestão, mas nenhum falhava os prazos. Com uma tiragem de 15 mil exemplares e um preço de 15 escudos o Almanaque era mais falado do que vendido e, também graças aos generosos salários pagos pelo patrão, rapidamente começou a dar prejuízo.

Em novembro de 1959, dois dos envolvidos no Golpe da Sé, o capitão Almeida Santos e o furriel Jean-Jacques Valente, auxiliados por um cabo da GNR, fugiram do Forte de Elvas, onde se encontravam detidos. A 31 de março de 1960, foi encontrado na praia do Guincho um cadáver que, poucos dias depois, se confirmou ser o do capitão Almeida Santos. A notícia fez disparar os alarmes junto daqueles que, de forma mais ou menos direta, tinham estado ligados à conspiração. O escritor Castro Soromenho, que tinha servido de agente de ligação, pensou que o assassínio teria sido obra da PIDE e, com receio de represálias, fugiu para Paris. Quase na mesma altura, Cardoso Pires foi avisado que o seu nome teria sido mencionado num dos interrogatórios da PIDE e também decidiu sair do país. Foi para Inglaterra e depois passou pela Suíça, até se fixar em Paris, em casa do escritor Jorge Reis, mas não permaneceu aí muito tempo. A 15 de junho de 1960, partiu num voo da Lufthansa com destino ao Rio de Janeiro. As notícias que lhe chegavam de Portugal não eram muito esclarecedoras. Não tinha a certeza que fosse seguro regressar, mas também não queria que circulasse a versão que tinha saído do país por razões políticas porque isso, sim, inviabilizaria o regresso.

No Brasil estabeleceu contacto com alguns conhecidos, como o escritor e militante comunista Vítor Ramos, que na altura vivia em São Paulo. Na altura, ponderou seriamente instalar-se ali e pensou em vários projetos editoriais e colaborações com a imprensa que lhe permitiriam mais tarde mandar vir de Portugal a mulher e as filhas. Se, entretanto, as coisas se desanuviassem em Portugal, tinha uma boa justificação para a estadia no Brasil porque estaria em representação da Ulisseia, como diretor editorial. O próprio Figueiredo Magalhães foi ao Brasil nessa altura para estudar a possibilidade de criar uma sucursal brasileira da editora e estabelecer parcerias com editores e distribuidores locais interessados no mercado português.

Em agosto de 1960, Cardoso Pires participou, juntamente com Jorge de Sena, Lurdes Belchior e Adolfo Casais Monteiro, no I Congresso da Crítica que decorreu no Recife. No dia 10, sem que nada o fizesse esperar, embarcou em Pernambuco num voo para Lisboa. Deve ter recebido notícias encorajadoras, apesar de ter tomado algumas cautelas para o caso de ser preso quando aterrasse na Portela, o que não sucedeu. Trazendo consigo novas ideias dos seus contactos e colaborações com publicações brasileiras, caso da revista Senhor, retomou de imediato a sua atividade como diretor do Almanaque e, antes do final do ano, mudou-se com a família para uma quinta em Belas.

Editorialmente, o final do ano foi frutuoso, pois Cardoso Pires publicou A Cartilha do Marialva, na Ulisseia, e, após uma longa gestação, a peça sobre a Maria da Fonte, a que deu o título de O Render dos Heróis, esta na Gleba, de Lyon de Castro. Apesar disso, o panorama não era animador. É verdade que a Cartilha foi bem recebida, mas O Render dos Heróis, não obstante as vendas razoáveis, levou pancada da crítica. No Almanaque as coisas também não corriam bem. A relação com Figueiredo Magalhães deteriorara-se, com a publicação sempre adiada de O Hóspede de Job e a falta de dinheiro a complicar tudo ainda mais. Em maio de 1961, saiu o último número do Almanaque. A juntar a isto, os prejuízos com a Fólio eram cada vez maiores. A casa de Belas era também outra preocupação, não só por causa do peso nas finanças familiares, mas também pela distância de Lisboa, onde Edite trabalhava. A única vantagem é que, aos fins-de-semana, era o sítio ideal para encontros coletivos, onde, além da família mais próxima, se juntavam amigos de Cardoso Pires, como Alexandre O’Neill ou Sttau Monteiro.

Por diversas razões, Cardoso Pires não conseguia livrar-se destes problemas, embora no aspeto estritamente editorial não lhe faltassem opções. Quer a Arcádia, quer a Europa-América, tinham interesse em publicar os seus livros. A questão era mais a de saber o que é que iria escrever. Tinha um projeto de um romance, com o título O Corvo Branco, que abandonou quando a pessoa em que era inspirado o protagonista do romance foi assassinada, num desfecho idêntico ao que o escritor lhe reservara na ficção. Mas a realidade insistia em intrometer-se nos projetos ficcionais de Cardoso Pires. No outono de 1961, chegou-lhe às mãos um documento assinado pelo médico Jean-Jacques Valente, que na época cumpria pena pelo homicídio do capitão Almeida Santos. É que a morte deste não tinha sido responsabilidade da PIDE e o crime tinha mesmo contornos de natureza passional. O entusiasmo de Cardoso Pires arrefeceu assim que percebeu que uma história sórdida a envolver elementos que tinham estado ligados a uma tentativa de derrubar o regime poderia ser usada por este para desacreditar as ténues forças que se lhe opunham. Nem se pode dizer que o romance que viria a ser Balada da Praia dos Cães foi para a gaveta, mas diretamente para o congelador.

Para fazer face às despesas da Fólio e equilibrar o orçamento familiar, o ordenado de Edite não era suficiente, o que obrigava Cardoso Pires a desmultiplicar-se em atividades, como a da publicidade, de onde vinha uma parte dos seus rendimentos e de muitos outros escritores da época, como Alves Redol. A ideia de se dedicar em exclusivo à escrita continuava a ser uma miragem.

Em março de 1962, Cardoso Pires, juntamente com um grupo de escritores portugueses, partiu para Florença, para participar no congresso da COMES (Communità Europea degli Scrittori). Era um grupo heterogéneo, onde conviviam escritores de diferentes sensibilidades políticas. Não sendo uma organização política, a COMES pretendia estabelecer pontes entre o Ocidente e o Leste da Europa e, em simultâneo, ser um espaço de liberdade para os escritores de países em que vigoravam ditaduras, não só de direita, como Portugal e Espanha, como de esquerda, caso da União Soviética e países-satélite. No entanto, alguns dos membros da comitiva portuguesa queriam que a organização tivesse um cariz abertamente político e servisse de escudo para as críticas ao regime. Agustina Bessa-Luís e Sophia de Mello Breyner, que participaram no congresso, ficaram muito surpreendidas com o seu carácter quase “exclusivamente político”. Menos surpreendidos terão ficado Urbano Tavares Rodrigues, que chefiava a delegação, Cardoso Pires e Alexandre O’Neill. Estes últimos aproveitaram para desertar do grupo assim que ficaram libertos de obrigações e tratar da vidinha. Partiram para Roma, onde estabeleceram contactos com editores locais e foi através deles que Cardoso Pires garantiu a publicação da tradução italiana de O Hóspede de Job, numa primeira edição mundial. Depois de várias tentativas falhadas de publicar o livro em França e no Brasil, a editora Lerici oferecia ao escritor português uma proteção contra uma previsível investida da censura logo que o romance fosse publicado em Portugal. A COMES não deve ter sido alheia a este desfecho pois um dos seus objetivos era precisamente o de viabilizar a publicação no exterior de autores que eram particularmente visados pelas forças repressivas dos respetivos regimes.

E, além do caso de Histórias de Amor, Cardoso Pires sabia bem que continuava sob mira da PIDE que, em 1963, tinha proibido o TEUC de levar à cena O Render dos Heróis. Em março, foi anunciada, uma vez mais, a publicação de O Hóspede de Job, desta vez na Arcádia. Anunciava-se também a edição italiana e um livro de contos ou, mais propriamente, uma seleção de contos revistos dos dois primeiros livros. O Hóspede de Job e Jogos de Azar, título do livro de contos, saíram no final de 1963. Em carta enviada em março de 1964, Mário Dionísio dizia a Cardoso Pires o seguinte: “considero “O Hóspede de Job” o seu livro mais acabado, que ele se lê com um prazer crescente, que sinto nele conseguidos alguns objectivos fundamentais que Você certamente se propôs (integração numa tradição narrativa portuguesa e popular, clima poético sem abandono da realidade concreta, problemática de sentido universal bem enraizada num caso concreto e particular, etc. etc.) e que bastaria este livro para desmentir as tantas atoardas que continuam a visar o realismo.”

Não foi o único com uma opinião positiva acerca do livro. No final de abril, O Hóspede de Job foi distinguido com o mais importante prémio literário do país, o Camilo Castelo Branco, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores, a cuja direção Cardoso Pires tinha pertencido poucos anos antes. A PIDE tinha proibido qualquer referência na imprensa ao livro, mas, nas vésperas do anúncio do prémio, cancelou a proibição. O prémio significava o reconhecimento da obra e, com o valor de cinquenta contos, um precioso balão de oxigénio financeiro para Cardoso Pires, continuamente acossado pelos credores da Fólio. A 30 de maio daquele ano, o prémio foi-lhe entregue num almoço de homenagem no Hotel Embaixador, em Lisboa, que contou com intervenções do presidente do Grémio Nacional dos Editores e Livreiros (o antepassado da APEL), do escritor Ferreira de Castro, enquanto presidente da SPE, e do professor Óscar Lopes, em representação do júri que atribuíra o prémio.

O galardão teve a virtude de pôr o foco sobre Cardoso Pires, que se desmultiplicou em entrevistas à imprensa, onde falava dos seus hábitos de escrita, os autores que o tinham influenciado, a música que ouvia, tudo isto geralmente acompanhado de um whiskey, a sua imagem de marca nas entrevistas. O prémio certamente terá ajudado a despertar o interesse pela obra de Cardoso Pires no exterior. Em setembro de 1964, numa altura em que, segundo o escritor, o dinheiro do prémio já estava nas mãos dos credores, a Gallimard adquiriu os direitos para a publicação do livro em França. Muitos anos mais tarde, Cardoso Pires diria que o prémio tinha sido crucial para a publicação em Itália, mas já vimos que, nesse caso, os contornos foram outros.

No início de janeiro de 1965, o Teatro Moderno de Lisboa, uma jovem companhia apoiada pela fundação Gulbenkian, levou à cena a peça O Render dos Heróis, com encenação de Fernando Gusmão, música de Carlos Paredes e a presença no elenco de figuras como Carmen Dolores, Ruy de Carvalho e Rui Mendes. A peça, que esteve no palco do cinema Império, foi um enorme sucesso de público, mesmo com as restrições da censura, que só permitia a publicidade à peça e não a publicação de quaisquer outros conteúdos, como críticas ou ensaios. O Render dos Heróis viria a ser a última peça do Teatro Moderno de Lisboa.

Em maio desse ano, a SPE, como habitualmente, atribuiu os seus prémios. Cardoso Pires fazia parte do júri do prémio de ensaio que foi para o livro de Armando de Castro “A Evolução Económica de Portugal – séc. XII a XV”. Mas foi o prémio Camilo Castelo Branco que veio agitar as águas, não só do meio literário, mas do próprio regime. O júri, constituído por Alexandre Pinheiro Torres, Fernanda Botelho, Manuel da Fonseca, João Gaspar Simões e Augusto Abelaira atribuiu o prémio a Luuanda, obra de Luandino Vieira. Dos jurados, só Gaspar Simões se tinha abstido, enquanto os restantes tinham votado em Luuanda. Não demorou muito até que a PIDE percebesse que Luandino Vieira era pseudónimo de José Vieira Mateus da Graça, preso no Tarrafal por terrorismo e subversão. Os jurados foram interrogados. Manuel da Fonseca disse então que se tinha abstido, o que era falso. Abelaira foi preso e, no dia 21 de maio, a sede da SPE foi assaltada e destruída por membros da PIDE e da Legião Portuguesa, ligados ao regime, e a sociedade foi extinta. Foi um violento golpe para a oposição intelectual e conseguiu fragmentar ainda mais um campo já de si estilhaçado.

Entretanto, em junho, saiu em França de O Hóspede de Job, com tradução de Jacques Fressard, que manteve uma longa amizade com o escritor. O livro beneficiou da atenção da crítica por razões literárias e também políticas. O “Le Populaire”, órgão do Partido Socialista Francês, dedicou-lhe um artigo, onde apresentava Cardoso Pires como um alvo frequente do regime e da censura. Referia-se o fim do financiamento do Teatro Moderno pela Gulbenkian e do silenciamento na imprensa em relação ao nome do escritor. Era também mencionado o ardil que tinha possibilitado a edição italiana de O Hóspede de Job que, dessa forma, tornara praticamente inviável qualquer hipótese de apreensão do livro.

Mais do que os problemas com a censura, aquilo que angustiava Cardoso Pires era o livro seguinte e a sua condição de escritor em part-time que não lhe permitia dedicar-se em exclusivo aos livros. No início de 66, já estava a trabalhar num novo romance com o título provisório de O Delfim entre os Cães. Nesse mesmo ano, foi publicada uma segunda edição revista d’A Cartilha do Marialva. Nada disto era suficiente para animar Cardoso Pires, desalentado com a desorganização da oposição ao regime e preocupado com o que viria a ser o próximo romance. Deixou crescer a barba, dizia-se que era dado a depressões, afastara-se de grupos e de tertúlias, tinha um ar cansado. Tinha, acima de tudo, como anotou José Gomes Ferreira no seu diário, receio de aparecer com um livro fraco. Afinal, o sucesso e o reconhecimento implicavam uma maior responsabilidade e apesar das críticas favoráveis ao Hóspede de Job, para muitos esse ainda não era o grande livro que o talento de Cardoso Pires prometia.

Entretanto, o escritor mantinha colaborações com a imprensa. Em 1967, no Diário Popular, publicou as crónicas “Os Lugares Comuns” e, um ano depois, colaborou com o Jornal do Fundão para criar, juntamente com Vítor Silva Tavares, o suplemento cultural & etc. Nesse mesmo ano, ficou a cargo das páginas literárias do Diário de Lisboa, que revolucionou por completo. Mas, mais importante do que tudo isso, em maio de 68, mês da revolta da juventude em Paris, foi lançado O Delfim, pela Moraes Editores, de Alçada Baptista e Pedro Tamen. O lançamento do livro decorreu no Teatro Villaret, de Raul Solnado, e foi um verdadeiro happening que juntou figuras não só do meio literário, como artístico, da imprensa e até da banca. Ruy de Carvalho leu excertos do romance e, no final, serviu-se vinho tinto e pastéis de bacalhau. Não só pelo impulso da campanha de promoção, mas também por isso, o livro tornou-se o grande sucesso editorial daquele ano.

As críticas foram, na sua grande maioria, bastante positivas. Uma das mais detalhadas veio da pena de Mário Dionísio, que a publicou no jornal A Capital, a 3 de julho de 1968, e onde enumerou aspetos de continuidade e de novidade do romance no contexto da obra de Cardoso Pires: libertação total das influências que tinham ameaçado asfixiar os seus primeiros livros (“o ter-se libertado totalmente de certas influências estranhas, nomeadamente americanas, que inicialmente embaraçavam o encontro da sua voz autêntica”); a exploração das construções meta-literárias, que já vinham das notas de rodapé a O Anjo Ancorado (notas que tanto irritaram Gaspar Simões), mas que aqui assumiam uma dimensão completamente nova com a “simulação da realidade” nos livros tão bem inventados que dir-se-iam verdadeiros; a filiação definitiva numa tradição que vinha de Camilo, passava por Aquilino e também alcançava contemporâneos como Carlos de Oliveira; e os cortes no plano narrativo (“outra novidade há, e decisiva, que consiste na substituição do estilo sobretudo linear de narração pela adesão a modernos processos de corte, retrocesso, saltos no tempo e no espaço (transição do capítulo III para o IV) assimilados tão de dentro que, em muitos casos, o leitor menos atento talvez não dê por eles.”)   

Óscar Lopes afirmou que nenhum ficcionista português contemporâneo escrevia melhor que Cardoso Pires. Ainda mais hiperbólico, Alexandre Pinheiro Torres disse que o livro talvez condensasse “tudo o que de positivo a nossa ficção inventou desde que existe.” O próprio Mário Dionísio, apesar de algumas cautelas, arriscou o veredicto após uma segunda leitura: obra-prima. Para alguns, estes entusiasmos eram fruto de alguma turvação do raciocínio ou do mais cristalino amiguismo. Foi o caso de Serafim Ferreira que, no Jornal de Notícias, não criticou apenas os outros críticos, mas também lançou farpas à máquina que promovera o “lançamento editorial inteligente, bem comandado.” O Delfim ainda não era “o” romance e, para Serafim, nem se poderia esperar que Cardoso Pires o viesse a escrever algum dia: “Escritor fragmentado, que com dificuldade encadeia os capítulos uns nos outros, Cardoso Pires não conseguiu, quanto a nós, estruturar ainda um verdadeiro romance; existem páginas e páginas onde apenas se vislumbra um discorrer desnecessário à natural narração da história, enchem-se páginas e páginas com descrições que não importam, que somente perturbam o fio narrativo do livro, como se isso fosse mero propósito do autor.” Não havia recurso possível para a sentença: Cardoso Pires estava “longe de ser um “grande” escritor, mesmo à nossa escala portuguesa.”

Serafim Ferreira não foi o único a embirrar com as lateralizações “desnecessárias” do Delfim. Gaspar Simões já tinha desgostado das notas de rodapé do Anjo por cortarem a magia da leitura de ficção, por atrapalharem a naturalidade narrativa a que aludia o crítico do JN. Também Fernando Namora, em carta datada de 4 de Julho de 1968 enviada a Cardoso Pires, louvava a depuração, a segurança, o rigor e a modernidade, mas apresentava uma objeção: “algumas vezes, senti (como explicar?) que o ritmo era prejudicado por certas especulações marginais, que, apesar de prenderem sempre pela sua agudeza e interesse, nos conduzem a um confronto com o escritor ágil de livros anteriores”.

Mas houve duas críticas em particular que, por razões diferentes, entraram para a história. Em outubro de 1968, no número 1476 da Seara Nova, saiu uma recensão assinada por um crítico que publicara o seu único romance havia mais de vinte anos, trabalhava na Editora Estúdios Cor e fazia traduções. Naquela altura, destacava-se em Lisboa pela boina à Che Guevara, a bolsa à tiracolo e pela relação que mantinha com a escritora e colunista Isabel da Nóbrega, ex-mulher do crítico João Gaspar Simões. Embora tivesse estabelecido uma certa reputação como crítico, o seu nome era absolutamente secundário no panorama literário em Portugal. Talvez por isso, José Saramago – assim se chamava o crítico – desferiu um violento ataque ao livro de Cardoso Pires e à posição deste enquanto intelectual comprometido, pondo em causa a sinceridade das suas propaladas convicções.

No entanto, ainda mais contundente que a crítica de Saramago foi a que Luiz Pacheco, amigo de Cardoso Pires dos tempos do Camões, publicou na revista Notícia, de Luanda, a 4 de Janeiro de 1969. Os dois, que se tinham iniciado quase ao mesmo tempo nas lides literárias, tinham seguido caminhos muito diferentes. Pacheco tornou-se paulatinamente no maldito oficial enquanto Cardoso Pires, sempre profissional, ascendia ao cargo oficioso de “integrado marginal”, como o próprio se definia. Apesar disso, mantiveram algum contacto, geralmente quando Pacheco precisava de dinheiro. Por todas estas razões, Cardoso Pires terá ficado desgostoso, embora não propriamente surpreendido, ao ler a crítica. Desde a primeira linha, Pacheco deu-lhe um tom chocarreiro e maldoso, condição de maldito oblige, mas não gratuito. Tal como Saramago e Serafim Ferreira, Luiz Pacheco censurava Cardoso Pires por poupar o protagonista ao seu látego moral. Se não havia chicotadas é porque havia enlevo: “Com efeito, a figura do Engenheiro (o marialva típico) nunca resulta caricata. É aquela que mais se aproxima do leitor, que mais cuidados parece ter merecido a Cardoso Pires. Diríamos, aqui e ali, que o autor (sem bem a consciência disso) se identifica com ela… pelo menos no-la consegue transmitir com um sopro, um calor de humanidade que as outras (pobres títeres!) estão longe de possuir.”

Estas críticas não foram suficientes para apagar o essencial. Com O Delfim, José Cardoso Pires estabelecia-se definitivamente como um dos mais importantes, se não o mais importante, romancista português da sua geração. O romance, que tem como protagonista o engenheiro Tomás da Palma Bravo, corporização cheia de nuances do marialva fixado por Cardoso Pires na Cartilha, entrou quase de imediato para o cânone da literatura portuguesa, além de ter sido um dos livros mais vendidos do ano, e começou logo a ser traduzido para vários países.

Em 1969, o professor norte-americano Stephen Reckert, Camoens Professor no King’s College e que dirigia o Departamento de Estudos Brasileiros e Portugueses, convidou José Cardoso Pires para visiting lecturer na universidade londrina, onde este veio a dar aulas de literatura portuguesa e brasileira. A experiência foi marcante para o escritor, não só pela oportunidade de respirar o ambiente de liberdade da Londres do final dos anos 60 como também a de testemunhar, em primeira mão, um sistema de ensino evoluído e onde, ao contrário do que tinha esperado, encontrou grande interesse por parte dos alunos na literatura portuguesa contemporânea. Os deveres profissionais deixavam-lhe muito tempo livre para o lazer, desde idas a exposições e concertos aos jogos de futebol no estádio do Chelsea, perto do local onde morava, e também para a escrita.

Em 1970 foi publicada a edição francesa de O Delfim e, um ano depois, o romance chegava às livrarias brasileiras. Cardoso Pires fez na altura um périplo de promoção do livro por algumas cidades brasileiras, num regresso ao país onde tinha estado pela última vez em 1960. A presença do escritor teve ampla cobertura mediática. Sempre com o whiskey ao lado, Cardoso Pires era uma figura que, para usar um cliché, não deixava ninguém indiferente. Uns jornalistas viam nele um perfil desafiador de toureiro, outros achavam-no anafado. Uns diziam que era um rebelde das letras, outros afirmavam que muitas mulheres tinham assistido aos lançamentos não por interesses literários, mas para ver o homem.

Ainda em Londres escreveu Técnica do Golpe de Censura, um artigo de reflexão e crítica sobre a problemática da censura em Portugal, que viria a ser publicado em simultâneo na revista inglesa Index e na Esprit, em Paris, em setembro de 1972. Uma síntese do texto foi publicada em dezembro no suplemento cultural do jornal alemão Die Zeit. Mas o trabalho mais duradouro do primeiro período londrino foi mesmo o Dinossauro Excelentíssimo, escrito a partir do Natal de 1970 num desafio que Cardoso Pires a si mesmo se pôs de escrever um conto infantil instigado pelas cartas e desenhos que recebia da filha mais nova, Rita, e também por duas conferências sobre banda desenhada a que assistira em Londres no Institute of Contemporary Art. Claro que, sob os atavios do conto infantil, estava uma sátira demolidora ao salazarismo e ao próprio ditador. Para que o livro, editado em 1972 e com ilustrações de João Abel Manta, não tenha sido apreendido pela censura terá contribuído não tanto os novos ventos da primavera marcelista, que entretanto já eram mais ventos de inverno, mas uma intervenção do deputado Cazal-Ribeiro, da União Nacional, que ao usar o livro como prova da liberdade de expressão durante um debate na Assembleia, deu-lhe mais destaque do que aquele que desejaria e deixou os serviços da Censura de “mãos atadas”.

Ainda não se sabia, mas o regime estava a cair. No final de 1971, Cardoso Pires tinha testemunhado a favor do crítico Mário Castrim no Tribunal Plenário, e, já em 1974, depôs a favor das escritoras Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta, no célebre julgamento das Três Marias depois da publicação do livro Novas Cartas Portuguesas. No início de 1974, foi um dos convidados, juntamente com Eugénio de Andrade e Manuel Cargaleiro, para as comemorações do aniversário do Jornal do Fundão (após este evento, Cardoso Pires visitou pela primeira vez a sua aldeia natal, São João do Peso). Pouco antes da sua intervenção prevista, o escritor recebeu uma notificação do governador civil de Castelo Branco a proibi-lo de falar. Cardoso Pires não acatou a ordem, o que motivou a intervenção da PIDE, interrompida por ordem do mesmo governador-civil, a quem o escritor haveria de fazer referência quando o artigo “Técnica do Golpe de Censura” foi incluído no livro E Agora, José?

Não foi o último “encontro” de Cardoso Pires com o sistema de censura e repressão do Estado Novo. Em Março, Ana, a filha mais velha, foi presa. A sua libertação ocorreu poucos dias antes da Revolução. Finalmente, a 25 de Abril de 1974, o regime caía. Foi Lurdes, a irmã do escritor, que ainda de madrugada ligou a Cardoso Pires a avisá-lo de que havia uma revolta em curso. Apesar de estar convencido de que se tratava de uma revolta da ala mais radical do regime, o escritor saiu de casa à procura de perceber o que se passava ao certo. Ao chegar à zona do Jardim Zoológico, foi abordado por dois soldados, que se lhe dirigiram com inusitada cortesia. Perplexo, Cardoso Pires perguntou-lhes o que se passava: “Isto, meu amigo, é a liberdade!” Como tantos outros portugueses que tinham esperado uma vida inteira por aquele momento, Cardoso Pires festejou a liberdade nas ruas de Lisboa. Como tinha um entendimento profundo do significado da liberdade, no dia 26 de abril saiu do Partido Comunista, sem ressentimentos, para, nas suas palavras, “experimentar viver em liberdade, em democracia burguesa”, que, de certa forma, experimentara no período que tinha vivido em Londres.

A sua atividade cívica naqueles meses que se seguiram ao 25 de Abril foi frenética. Era praticamente necessária uma tomada de posição por dia em relação aos mais variados assuntos, como na participação num abaixo-assinado contra a nomeação de Azeredo Perdigão, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, para o Conselho de Estado, ou na homenagem póstuma na Sociedade Nacional de Belas Artes a José Dias Coelho, antigo militante comunista morto pela PIDE. Em outubro, Cardoso Pires foi nomeado vereador da Câmara de Lisboa e, em fevereiro de 1975, presidente da Comissão Cultural.

Porém, naqueles meses de tensão permanente, o cargo mais relevante que assumiu foi o de diretor-adjunto do Diário de Lisboa, a convite de Ruella Ramos, logo em setembro de 74. Com a necessidade de gerir várias sensibilidades e interesses que se digladiavam na redação, Cardoso Pires viveu tempos bastante conturbados em que passou “a vida à porrada com toda a gente”. Opôs-se à nacionalização do jornal, para que a este não lhe sucedesse o mesmo que tinha acontecido ao Diário de Notícias, então pouco mais que um órgão do PC, o que provocou a animosidade dos elementos ligados à esquerda e à extrema-esquerda. Desgastado pelos conflitos constantes, resolveu sair de casa e ir viver para um quarto no hotel Fénix. Pediu várias vezes a demissão até que, a 31 de dezembro de 1975, abandonou finalmente o jornal.

Em 1976, integrado numa comitiva de escritores portugueses, participou na bienal de São Paulo. Foi mais uma tentativa de dar a conhecer a literatura portuguesa contemporânea ao público brasileiro fora da academia, visto que nas universidades havia interesse pela obra de escritores entre os quais o próprio Cardoso Pires.

A situação política do país, as múltiplas atividades profissionais e cívicas em que se envolveu, explicam a espécie de interrupção na produção literária de Cardoso Pires. O primeiro livro que publicou após o 25 de Abril foi precisamente o conjunto de ensaios e textos dispersos E Agora, José?, em 1977. Aí, o escritor incluiu, além do já mencionado Técnica do Golpe de Censura, uma longa “Memória Descritiva” em que refletia sobre O Delfim, e que tinha usado numa palestra em Londres em Maio de 71, textos de homenagem a artistas, amigos e camaradas, como Dias Coelho ou João Abel Manta, e reflexões sobre o país que se começava a erguer depois de décadas do pântano da ditadura e de meses de euforia revolucionária.

A 25 de maio de 1979 estreou no Teatro Aberto a peça Corpo-Delito na Sala de Espelhos (que seria publicada no ano seguinte pela Moraes, com prefácio de Eduardo Lourenço), com encenação de Fernando Gusmão, que já havia encenado O Render dos Heróis, mas Cardoso Pires ficou tão desiludido com o resultado final que se afastou em definitivo da escrita para teatro.

Nesse ano, Hélder Macedo consegue criar no King’s College, com o apoio do ICALP e da Fundação Calouste Gulbenkian, o lugar de escritor residente, no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros. Cardoso Pires foi o primeiro escritor a ocupar a vaga, regressando assim a Londres. Nesta altura, voltou a trabalhar no romance que estava na gaveta havia quase vinte anos, sobre o caso do capitão Almeida Santos. Ainda em 1979, publicou o livro de contos O Burro-em-Pé, com ilustrações de Júlio Pomar e que incluía o “Dinossauro Excelentíssimo”, “O Conto dos Chineses”, publicado originalmente no Almanaque, e “Celeste e Làlinha: Por cima de toda a folha”.

No ano seguinte comprou um pequeno apartamento na Caparica que passaria a ser o seu escritório, a sua cela de monge, onde gozava do silêncio e da solidão indispensáveis à sua escrita. Foi aí que avançou com Balada da Praia dos Cães. Finalmente, sentia-se com confiança para abordar em modo literário “um crime de esquerda num regime de direita.” No entanto, como era seu hábito, o parto foi longo. O seu perfeccionismo foi adiando a publicação do livro e exasperando o editor, José Carlos Vasconcelos, que ia publicar o livro na editora O Jornal, associada ao periódico com o mesmo nome. Por outro lado, havia uma grande expetativa em relação ao livro porque o último romance de Cardoso Pires, O Delfim, já era de 1968. Assim, quando o livro saiu em 1982, tornou-se um best-seller instantâneo. A imprensa contribuiu para isso com entrevistas ao autor e reportagens sobre o caso real em que Cardoso Pires se inspirara com testemunhos de figuras ligadas ao acontecimento e que à época ainda estavam vivas.

Mas o melhor ainda estava para vir. Em 1983, a herdeira da extinta SPE, a Associação Portuguesa de Escritores decidiu recuperar o prémio que anualmente distinguisse a melhor obra de ficção de autores portugueses publicada no ano anterior. Cardoso Pires, com um regresso em grande forma, estaria sempre na lista de candidatos, mas enfrentava a forte concorrência de Memorial do Convento, o livro que confirmou o talento romanesco de José Saramago e lhe abriu as portas do grande público. Estes eram os dois favoritos à vitória embora também estivessem na corrida autores como Augusto Abelaira, Fernando Namora e Lídia Jorge, na altura com o seu segundo romance O Cais das Merendas. A 6 de abril de 1983, às seis da tarde no hotel Fénix, o mesmo hotel onde Cardoso Pires se refugiara no período conturbado na direção do Diário de Lisboa, Carlos Eurico da Costa anunciou o vencedor: Balada da Praia dos Cães. A essa hora, Cardoso Pires estava no Apolo 70 a assistir a Do Fundo do Coração, de Francis Ford Coppola. O júri, composto por Maria Lúcia Lepecki, Maria da Glória Padrão, Álvaro Salema, Óscar Lopes e Jacinto do Prado Coelho, tomou a decisão por unanimidade. O prémio era importante não só pelo reconhecimento literário, mas também pelo valor pecuniário, 750 contos (o que equivaleria atualmente a 25 mil euros), que levara Vergílio Ferreira a dar-lhe o nome de “El Gordo”, o prémio da lotaria espanhola, e que Cardoso Pires dizia que serviria para pagar dívidas, recuperando também a antiga tradição inaugurada com o prémio Camilo Castelo Branco, dezoito anos antes. O escritor festejou em casa com a família mais próxima, três membros do júri e um amigo muito especial, o comandante Covas, cujo nome servira para batizar o protagonista da Balada. A 8 de abril, Cardoso Pires recebeu o prémio das mãos do Presidente da República, General Ramalho Eanes.

Em setembro de 1983, fez parte de uma nova embaixada de escritores portugueses enviada ao Brasil, que incluía Alçada Baptista, José Saramago, Egito Gonçalves, Pedro Tamen, Almeida Faria, Assis Pacheco, Lídia Jorge e Isabel da Nóbrega. Na comitiva seguiam também Alexandre O’Neill, com quem Cardoso Pires tinha cortado relações, e António Lobo Antunes, que dali em diante seria o seu grande compincha literário e, de certa forma, seu concorrente. Por exemplo, em 1984, o grande tradutor Gregory Rabassa declinou o convite para traduzir a Balada por já estar comprometido com a tradução de Fado Alexandrino. Mas foi a ascensão segura de José Saramago que, após o tremendo sucesso de Memorial do Convento, marcou aqueles anos na literatura portuguesa, para o que contribuiu não apenas a qualidade da obra, mas também a regularidade com que publicava novos romances, exatamente ao contrário do “bissexto” Cardoso Pires. Mas desta vez não seria preciso esperar tantos anos por um novo livro. Em julho de 1985, em declarações ao Jornal de Letras, Cardoso Pires falava do romance em que estava a trabalhar: “atravessa o período de 1960 a 1976, e é uma reflexão sobre o complexo de identidade português, que se liga ao síndroma lusitano. Interessa-me, fundamentalmente, como pólo definidor o desajustamento da afirmação.” Não revelava o título: “Talvez já tenha. Mas não lhe posso dizer mais nada. Nunca gosto de contar um livro, é a única coisa em que sou supersticioso. […] Estou aqui fechado na Costa de Caparica a trabalhar furiosamente.”

Entretanto, a Balada fazia o seu percurso no estrangeiro. Em outubro de 85 saiu em Espanha, na Seix Barral, em Fevereiro de 86 na Inglaterra, com tradução de Mary Fitton, e, no verão desse ano, em França, na Gallimard, com tradução de Michel Laban. Em março, o Círculo de Leitores tinha feito uma edição de O Delfim integrada na coleção Obras-Primas do Século XX, com prefácio de Eduardo Prado Coelho. Um ano depois, estreava em Lisboa a adaptação cinematográfica da Balada da Praia dos Cães, com realização de José Fonseca e Costa e com Raul Solnado no papel principal. O filme, uma produção luso-espanhola, foi um sucesso estrondoso para os padrões do cinema português, tendo sido visto por mais de 80 mil espetadores. A antestreia, no cinema Castil, contou com a presença de inúmeras figuras do meio artístico e da política, além, claro, do autor.

Em novembro, era publicado, na Dom Quixote, o romance Alexandra Alpha. Até ao fim, Cardoso Pires consideraria este o seu romance mais pessoal. Era um romance pletórico de situações e personagens da burguesia intelectual lisboeta dos anos 60 e 70 e em que muitos viram apenas um roman à clef. Tinha sido escrito num tempo recorde, para os padrões de Cardoso Pires, era o seu romance mais longo até à data, e haveria de ser o último publicado em vida. Apesar de mais um sucesso de vendas, o escritor sentiu que o livro não tinha sido bem compreendido pelo público e por uma parte da crítica, o que não impediu que, um ano depois, tivesse sido distinguido pela Associação de Críticos de São Paulo.

Pode afirmar-se que os anos seguintes foram um período de consagração mais do que de produção. Isto apesar de, logo em 1988, ter publicado o livro de contos A República dos Corvos, de ter assistido a uma nova encenação da peça O Render dos Heróis, pelo Teatro da Malaposta, em 1989, de ter mantido colaborações regulares com a imprensa, n’O Jornal e no Público, por exemplo. Em 1991, foi-lhe atribuído o Prémio Internacional União Latina. Recebeu a notícia num telefonema de Jorge Amado, mas terá sido José Saramago a sugerir o nome do camarada de letras para receber o prémio, deixando para trás nomes como Gonzalo Torrente Ballester ou Marguerite Duras. O valor do prémio, dois mil e seiscentos contos, tinha o destino habitual, os credores. Em 1992, foi-lhe atribuído o prémio Astrolabio d’Oro, do município italiano de Pisa, e que distinguiu outras figuras da criação artística europeia, como o realizador espanhol Pedro Almodóvar.

Em 1994, reuniu num livro, A Cavalo no Diabo, as crónicas que tinha escrito para o Público e que eram, na sua maioria, retratos da Lisboa da sua juventude, com o regresso aos ambientes pitorescos da Almirante Reis que tinham servido de cenário a alguns dos seus primeiros contos. Nesse mesmo ano, sofreu um acidente de viação perto do Parque Eduardo VII, que terá sido consequência de um pequeno AVC, e esteve internado no Hospital de Santa Maria. Logo no início de 1995 sofreu um acidente vascular cerebral que o deixou sem memória durante oito dias. Por insistência do médico que o acompanhou, João Lobo Antunes, a experiência acabou por resultar num livro, De Profundis, Valsa Lenta, publicado em 1997, ano em que também publicou Lisboa, Livro de Bordo, uma encomenda da Expo-98. De Profundis valeu-lhe inúmeros prémios literários e contribuiu decisivamente para a atribuição do Prémio Pessoa no ano de 1997, quando Portugal foi o país-convidado da feira de Frankfurt e Cardoso Pires integrou uma extensa comitiva onde estavam todos os grandes nomes da literatura portuguesa, como Agustina ou Saramago.

O ano de todos os prodígios, o de 1998, veio a ser o ano da morte de Cardoso Pires. A 21 de abril, nas vésperas da inauguração da Expo, sofreu um AVC e esteve internado durante um mês no Santa Maria. A 8 de Julho sofreu uma paragem cardiorrespiratória que o deixou em estado vegetativo e sem possibilidade de recuperação. A 26 de outubro, poucas semanas após o anúncio do prémio Nobel da Literatura para José Saramago, morria um dos expoentes da prosa portuguesa do século XX.
 

 Bruno Vieira Amaral

6 de novembro, 2018



 
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CARDOSO PIRES POR ELE MESMO


                                                           
  publicado em Sempre Fixe,  6 de Abril de 1974, p. 9  
                                                                                                                                                                                                        
 
 
 



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