Foi o nosso humorista mais “picante” de todos os tempos e um dos mais versáteis, pois tanto fazia rir através do verbo, como da caricatura, do cartoon, da ilustração e de outras performances gráficas. Faleceu em Lisboa, no passado dia 3 de Outubro, com 88 anos de idade, e com este pequeno dossier digital pretendemos homenagear a sua criatividade fecunda e escaldante, bem como divulgar os títulos de Vilhena que integram a coleção de publicações periódicas da Hemeroteca Municipal de Lisboa. É inegável que José Vilhena foi uma figura, se associarmos ao conceito a capacidade de intervir no espaço público e de desencadear reações fortes. Ninguém ficava (nem fica) indiferente ao seu cocktail de humor, que combinava doses variáveis de ironia, sátira política e social e sexo.

José Alfredo de Vilhena Rodrigues nasceu a 7 de Julho de 1927, em Figueira de Castelo Rodrigo. Começou a publicar, em meados dos anos 50, em jornais como Diário de Lisboa e Diário Popular e nas revistas Cara Alegre e O Mundo Ri. Também traduzia, compilava e adaptava autores estrangeiros.

Nos anos sessenta, já era um humorista conhecido entre os apreciadores do género. Mas também pela PIDE. A polícia política mantinha-o sob vigilância constante e desconfiava do seu humor que desafiava a ordem moral e social e fazia alusões enviesadas à falta de liberdade, à repressão e a outras misérias. Mas Vilhena não se deixou intimidar, pelo contrário. Lançou-se numa produção frenética, assumindo ele a responsabilidade da edição, isto é fez-se editor. A iniciativa do “humor de bolso” foi um sucesso. Os dois primeiros livros que fez imprimir com a marca «Vilhena», ambos de 1960, foram logo apreendidos: Manual de Etiqueta e História Universal da Pulhice Humana. O próprio Vilhena esteve preso três vezes. Mas o ritmo de edição e as tiragens não pararam de crescer, acompanhando o mercúrio da contestação à ditadura. Em 20 anos (1954-1974), Vilhena redigiu, ilustrou, publicou e distribuiu mais de cinquenta livros, aos quais se somaram mais duas dezenas de traduções e compilações de humoristas estrangeiros.

Uma vez reconquistada a liberdade em Abril de 1974, a criatividade de Vilhena atingiu a sua máxima expressão por via das publicações que lançou. A primeira, a mais célebre e também mais duradoura, foi a revista quinzenal Gaiola Aberta, que apareceu logo em Maio daquele ano e que, durante o “Verão quente”, chegou a fazer tiragens de 150 mil exemplares; teve duas séries: a primeira, manteve-se até Maio de 1983; a segunda, foi ressuscitada em Maio de 2003 e manteve-se nos escaparates até 2006. No interlúdio, outros títulos foram dados à degustação dos leitores, na sua maioria revistas, como: Vida Lisboeta: revista mensal para homens adultos e mulheres emancipadas (1978-1979); A Paródia: comédia Portuguesa. Revista de humor e caricatura (1980); Fala Barato: jornal mensal de arte, cultura e mau humor (1987-1993); O Cavaco: revista do humor possível (1993-95); e O Moralista: revista de humor pagão (1996-2003).

Nesta fase, José Vilhena selecionava os seus modelos ou musas diretamente da passerelle pública, isto é, interessava-se por todas as personalidades, figuras, conhecidas do grande público e potenciais leitores. Descobre-se no seu trabalho alguma inspiração bordaliana, quer por via dos temas e objetos, quer por conta da abordagem burlesca e colorida. Os políticos foram, sem dúvida, a sua primeira preferência, mas Vilhena não menosprezava ninguém: muitos jornalistas, escritores, artistas, gente do jet set, empresários, etc. foram “engaiolados”, por assim dizer. Nem todos apreciaram a pose e a moldura em que se descobriram um dia, ao virar da página; os processos contra Vilhena multiplicaram-se e, com o tempo, começou também a revelar-se o cansaço do caricaturista e também dos leitores.

Era tempo para abordar a obra do humorista em retrospetiva. Em Maio de 1996, a Câmara de Lisboa organizou, no palácio das Galveias, a exposição ”Crónica de uma revolução”, Factos e figuras da revolução de Abril: desenho de José Vilhena, que ficou plasmada em um catálogo (acessível aqui). Mais tarde, em Janeiro de 2003, a Galeria Barata expôs mais de 100 obras de pintura e ilustração. Começaram também a publicar-se antologias, ensaios e estudos académicos centrados na sua obra.

O sítio web O incorrigível e manhoso Vilhena, da responsabilidade de Luís Vilhena, surgiu recentemente para divulgar e celebrar a arte polivalente do autor.

Rita Correia

 
     
 

FICHA TÉCNICA

José Vilhena (1927-2015) na coleção da Hemeroteca | Investigação: João Carlos Oliveira e Rita Correia | Textos: Rita Correia | Digitalização e tratamento de imagem: Serviço de Digitalização e Imagem da Hemeroteca Municipal de Lisboa | Conceito e webdesign: João Carlos Oliveira