A Luta, subtitulada em ficha técnica Jornal Socialista Pluralista e Independente, diário, publicou-se entre 25 de Agosto de 1975 e 9 de janeiro de 1979, totalizando 1012 edições. Teve como último diretor Raul Rêgo, e como proprietário a Editorial A Luta, Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Lda.

Última edição:
Ano IV / N.º 1012 / terça-feira, 9/01/79

 

A LUTA

9 de janeiro de 1979 foi o dia do adeus deste ‘jovem’ diário e por isso mesmo foi assinalado com uma edição “especial”, isto é preparada para justificar perante os leitores o fim do jornal e, simultaneamente, condicionada pelas tensões internas que sempre envolvem estes processos.

A este respeito importa desde logo assinalar a forte presença de colaboradores ou «colunistas», uns regulares, outros menos ou nem por isso, que contrasta com a quase invisibilidade dos jornalistas da casa, identificados como «redactores» na ficha técnica (p. 20).

A exceção foi o suplemento «A palavra ao Parlamento», de 12 páginas, totalmente produzido por 3 jornalistas e 3 fotógrafos d’
A Luta
- António Ribeiro, Pedro Vieira, Vítor Leitão, e Lobo Pimentel, Marques Valentim, Álvaro Tavares, respetivamente - que entrevistaram os líderes dos quatro principais partidos representados no parlamento: Francisco Salgado Zenha (PS), Magalhães Mota (PSD), Rui Pena (CDS) e Carlos Brito (PCP); o desenhador Pedro Massano Santos, que também pertencia à equipa, encarregou-se de fazer os respetivos ‘retratos’, caricaturados, é claro.

Quanto ao jornal: logo na primeira página, ao lado da manchete «Carne foge dos talhos», destaca-se o editorial do diretor, Raul Rêgo, «Memórias de uma Luta»; antes de avançar com explicações sobre o fim do jornal, quis recuperar para os leitores a história daquele diário que dirigia desde o dia do seu lançamento, a 25 de Agosto de 1975; e começou por lembrar a sua filiação no
Republica que fora “abafado” por entre as ondas de calor se fizeram sentir naquela época; um tempo louco, que ficou na História como o “Verão quente”
- não houve outro tão escaldante!

Tudo começara com o golpe de 11 de Março de 1975, recordou Raul Rêgo: «Estava em gestação, na Assembleia Constituinte, a nova lei fundamental do País e a mesma violência insensata que fizera calar “República” iria até o sequestro da própria Assembleia da Republica, sem que as Forças Armadas ousassem intervir. Ao que chegámos. O Medo começava a alastrar como uma chaga. Nós resistimos, coesos, sem que o grupo abrisse fendas e a nós se vieram juntar algumas das vozes mais altas e mais firmes na defesa da dignidade da pátria. (…) E, em 13 de Novembro, de 1975, do Palácio de S. Bento, onde me achava detido com os deputados, conhecendo a minha última prisão, eu tinha de ditar pelo telefone o artigo diário...»



 


Por um incompreensível pudor, Raul Rêgo não identificou o líder do malfadado golpe; tão pouco explicou como ou quem alimentava aquele “medo” que alastrava; mas recordou o movimento subsequente das «nacionalizações sem critério, abarcando nelas grande parte da imprensa portuguesa» que, na sua perspetiva, estavam na origem da crise d’
A Luta: «Criou-se assim um divisionismo claro entre jornais e jornais; uns que vivem só dos seus leitores e anunciantes e outros que vivem do tesouro público. Quem compra hoje um jornal estatizado paga-o duas vezes. Desde sempre reclamamos contra tal injustiça que é a negação da mais elementar democracia. Mas ninguém nos ouviu até agora. Os sucessivos governos e ministros, provisórios ou constitucionais, optaram pelo mais cómodo que é protelar os problemas. Embora protelá-los seja agravá-los.»

Considerando que foi como consequência da nacionalização da banca e dos seguros que uma parte da imprensa ficou na esfera do Estado, o argumento não é nem rigoroso, nem convincente, nem particularmente feliz. Talvez por isso, Raul Rêgo tenha sentido a necessidade de acrescentar outros ‘capítulos’ à história: «Em determinada altura, o nosso jornal foi distribuído pela Regimprensa, empresa intervencionada e com a responsabilidade do Estado, portanto. […] Verificou-se, todavia, que a distribuidora recebia o dinheiro das vendas mas foi adiando o dar contas e fazer dele entrega. Assim se chegou a uma dívida de 11 mil contos que, com os encargos das letras, aumentou mais três mil e quatrocentos contos.» Resumindo,
A Luta considerava-se credora do Estado e vítima de um tratamento injusto, prepotente, já que esse mesmo Estado dispunha-se «a pagar todas as dívidas de alguns jornais e os alimentar mensalmente cobrindo o défice que eles apresentam e ficar com o dinheiro da venda de meses e meses de “A Luta”.»

Estas revelações de Raul Rêgo suscitam pelo menos uma questão: a que título é que a distribuição de um jornal privado era assegurada por uma «empresa intervencionada» pelo Estado? A hipótese de uma distribuição imposta, forçada, não convence, nunca ouvimos falar, nem há notícia de
A Luta ter denunciado essa situação. Concluindo, A Luta acumulara «um défice de 27 000 contos», e era por isso que a sua publicação terminava. Mas Raul Rêgo não se deu por vencido ou convencido, pelo que se despediu com um ‘até ver’: «suspendemos na esperança de encontrarmos os meios que nos permitam sentirmo-nos cidadãos e jornalistas iguais a todos os outros.»

Esta narrativa estava longe de reunir o consenso de todos os que laboravam n’
A Luta, como atesta a “Informação” que a «Comissão de Trabalhadores» fez publicar no próprio jornal, a denunciar o modo como tomaram conhecimento do encerramento, e a informar sobre as decisões que tomaram em plenário, a saber: «1 – Não aceitar o despedimento implícito, que consideram ilegal. 2 – Manter presença nos seus postos de trabalho. 3 – Denunciar, através das instâncias competentes, a decisão ilegal assumida pela Direcção da Cooperativa.»

O jornalista Alberto Arons de Carvalho, que pertencera à redação, mas que à data tinha o estatuto de “colunista sem compromisso de regularidade”, também foi convidado para deixar o seu testemunho sobre os acontecimentos (p. 2). E a sua versão sobre a ‘crise’ do jornal não coincide com a de Raul Rêgo, nem na forma, nem na substância.

Arons de Carvalho assumiu que
A Luta tivera, desde o seu início, uma orientação político-partidária e, consequentemente, um papel ativo e interveniente na vida política; e associou o início da “crise” à incapacidade ou recusa dos corpos dirigentes em “abrir o jornal”, ou seja libertá-lo do ónus da filiação partidária. Sem rodeios, afirmou: «Depois de ter sido jornalista do ‘República” até à sua ocupação pelos “gonçalvistas”, entrei para o quadro redactorial de ”A Luta” em Outubro de 1975. Dele saí em Maio do ano seguinte. O entusiasmo com que entrei foi bem diferente do que tinha quando saí. O combate antigonçalvista que preenchia o jornalismo de “A Luta”, antes do 25 de Novembro [de 1975], não soube reconverter-se num projecto próprio a seguir a essa data. De jornalista passei, pois, a mero leitor e nem sempre fiel.»

Arons de Carvalho diz ainda que, em Agosto de 1978,
A Luta conhecera um ‘renascimento’ resultante de uma remodelação dos seus dirigentes
- Raul Rêgo manteve a direção do jornal, mas Nuno Brederode dos Santos assumiu a função de «Director-Adjunto» e José Pedro Castanheira a de «Chefe de Redacção» - e do ingresso na redação de novos jornalistas. No último suplemento publicado naquele ano (30/12/1978), Nuno Brederode fizera um balanço aos resultados obtidos por esse novo projeto e do que é possível deduzir do testemunho de Arons de Carvalho, eram animadores: «”A Luta” deixa de ser publicada precisamente nesta altura e parece-me que isso é duplamente doloroso, sobretudo, para os que a realizaram, mas também para os que se tornaram, como eu, seus fieis leitores.»

Em matéria de “despedidas” destacamos outros textos, na sua maioria de ‘colunistas’, com ou sem compromisso de regularidade, e quase sempre temperados com bom-humor, mas há exceções: «Um Aviso sério», de Alfredo Barroso (pp. 3-4), que dramatiza até onde a sua inspiração lhe permitiu o desaparecimento do «único órgão de informação diária que se sabia estar mais ou menos afecto ao partido político com maior representatividade na Assembleia da República – o Partido Socialista»; «Um elefante em loja de porcelanas», de Jorge Listopad (p. 3); «1012 números depois», dos jornalistas de desporto, Manuel Arons de Carvalho, Ilídio Trindade e Fernando Nogueira (p. 13); «Um dia, dois temas, cinco andamentos», de Augusto M. Seabra (p. 16); e «A Pompa e as circunstâncias», um estudo inédito sobre «o estado de espirito» dos jornalistas d’
A Luta, elaborado pela psicóloga Maria Helena Ralha, com base nas crónicas que redigiram para o referido suplemento com que encerraram o ano de 1978 (p. XI do suplemento «A Palavra ao parlamento»).

Na última página, além de configurar uma espécie de mural de homenagem aos jornalistas e colaboradores d’
A Luta, ficou também a memória das linhas orientadoras da estratégia de remodelação iniciada em Agosto de 1978, processo «que viria a ser comprometido em princípios de Novembro por problemas empresariais que, à partida, se supunham sanados ou adiados por bom prazo.»

No «Relatório sobre a situação na imprensa – 1979», elaborado pelo Conselho de Imprensa, consta a seguinte informação: «Na sede do Partido Socialista «realizou-se no dia 9 [de Janeiro], uma reunião de trabalhadores do jornal
A Luta com dirigentes do Partido Socialista.» Depois de terminada a reunião, a agência ANOP contactou os trabalhadores e soube por eles que o Partido Socialista não tinha planos para «o lançamento de um novo jornal», de onde se deduz que também não se comprometera com a procura de uma solução para a crise de A Luta
.

Resta dizer que quatro anos depois da saída do último número, foi publicado um número, datado de 11 de Outubro de 1983, com apenas duas páginas e a indicação «Periodicidade Anual»; Raul Rêgo continuava a ser indicado como director. Essa estratégia, cujo fito é a salvaguarda da propriedade do título, ocorreu novamente em 1985, e não conhecemos novas ocorrências – aquelas edições estão presentes na coleção da Hemeroteca.

 

 

 
                  © 2019 | Hemeroteca Municipal de Lisboa