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A CAPITAL, o último diário
vespertino português (havia passado a matutino em 7 de Setembro
de 2001), iniciou a sua 2.ª série em 21 de Fevereiro de 1968,
totalizando 11911 edições. Teve como último diretor (interino)
Paulo Narigão Reis, e como último proprietário a Impreopa,
Sociedade Jornalística e Editorial, S.A.
Última edição:
Ano XXXVIII, N.º 11911 / sábado, 30/7/2005
O COMÉRCIO DO PORTO, diário
matutino, surgiu em 2 de Junho de 1854, mantendo-se em
publicação ao longo de 151 anos, em mais de 50000 edições, o que
lhe conferiu, à data do fecho, o lugar de jornal mais antigo de
Portugal continental. Teve como último editor Rogério Gomes e
como último proprietário a NEW D - Notícias do Douro, Lda.
Última edição:
Ano CLII, N.º 59 / sábado, 30/7/2005
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A CAPITAL e O
COMÉRCIO DO PORTO
Passaram
14 anos desde o desaparecimento dos diários
A Capital, o último
vespertino português, de 1968 (II Série), e
O Comércio do Porto, o
«Decano da Imprensa Continental», de 1854. Foi no dia 30 de
Julho de 2005 que saíram os últimos números destes dois jornais,
que ainda faziam parte da vida de muita gente.
Tal
coincidência não foi obra do acaso. Nessa altura, ambos eram
propriedade do grupo espanhol Prensa Ibérica, que possuía em
Espanha vários títulos regionais (La Provincia. Diario de Las Palmas,
La Nueva España de Oviedo,
Faro de Vigo,
Diario de Girona, Diario de
Ibiza, Diario de
Mallorca, La Nueva
España, La Opinión A Coruña, La
Opinión de Málaga, entre outros).
A Capital foi
adquirida, em Setembro de 2000, ao grupo Medipress, de Francisco
Pinto Balsemão, à qual estava vinculada desde 1988, por via da
Sojornal; e O
Comercio do Porto foi
adquirido, em Novembro de 2001, à Gesgráfica, a quem pertencia
desde do início da década de 90, por via da Lisgráfica.
A aposta
da Prensa Ibérica havia permitido, no imediato, a continuidade
dos dois títulos, que se encontravam numa situação de grande
fragilidade económico-financeira (redução das receitas das
vendas e da publicidade, diminuição das tiragens, aumento da
divida acumulada, etc.) e cujo fim chegou a ser anunciado na
imprensa. Significou, portanto, uma nova oportunidade para os
dois jornais e insuflou de esperança as respetivas equipas.
Segundo
notícias e testemunhos posteriores, o novo proprietário realizou
inclusivamente algum investimento na renovação gráfica e
editorial dos dois jornais, nos equipamentos, e as redações
foram reforçadas com a entrada de novos jornalistas e
dirigentes. Foi no quadro deste ensaio regenerativo que
A Capital passou a matutino e acentuou a sua feição local. Mas, ao
fim de pouco tempo (cerca de cinco anos, num caso, e de quatro
anos, no outro), a Prensa Ibérica considerou que a manutenção de
ambos os jornais lhe era “insustentável” e informou, cada uma
das equipas, que ia libertar-se do “fardo”, e se não aparecessem
investidores a sua história acabaria ali.
As
explicações para esse desfecho comum ficaram explanadas num
documento único, ou seja com a mesma narrativa, adaptada, claro
está, a cada um dos jornais, que foi publicado na última edição,
de 30/7/2005. Reza assim:
«[A Capital / O Comércio do
Porto] suspende a partir de hoje a sua edição. Todos os
esforços e meios materiais aplicados para garantir a
continuidade do título acabaram por redundar num fracasso, que
muito nos penaliza.
Apesar da
enorme mágoa que o fim de um jornal provoca, nomeadamente no
contexto de um grupo que há quase três décadas se dedica à
imprensa, [“a administração” / “a gerência”] não podia ter
tomado outra decisão.
Como é do
conhecimento de todos, o mercado português – como, aliás, o
mercado europeu onde este se insere – atravessa há já algum
tempo uma conjuntura económica negativa. Em especial, o mercado
da imprensa tem, nos últimos anos, estado mergulhado numa crise
significativa.
No caso
de [A Capital /
O Comercio do Porto] a contínua descida nas vendas e nas receitas
publicitárias foi tendo como consequência que a empresa
proprietária, [“Impreopa – Sociedade Jornalística e Editorial,
SA” / “New D – Notícias do Douro Lda.”], apresentasse, ao longo
dos últimos anos, resultados negativos muitíssimo avultados e
que se tornaram insustentáveis. Apesar de [“a administração” /
“a gerência”] ter estudado formas de resolução do problema que
não passassem pela suspensão da publicação, tal não se revelou
possível.
Como é
natural, serão pontualmente cumpridos os compromissos perante
trabalhadores, fornecedores e instituições.
Aos
trabalhadores, leitores e anunciantes agradecemos a fidelidade
com que nos prestigiaram até ao fim. ¶ [A Administração / A
Gerência]»
O
laconismo desta fórmula padronizada de “despedida”
-
reflexo do desenvolvimento do negócio da informação e da sua
organização constelar ou grupal -, contrasta com a coro de
vozes que ecoa na última
edição de cada um dos matutinos, por conta da publicação de
dezenas de depoimentos, individuais, dos jornalistas, e também
das reações de amigos e leitores. São portanto dois documentos
únicos e inéditos, sobretudo porque não é comum nestas situações
de encerramento de portas, de fim de atividade, passar a palavra
aos trabalhadores e dirigentes directos e conceder-lhes a
oportunidade de publicar a crónica do seu despedimento.
Apesar
das semelhanças editoriais que modelam cada uma das últimas
edições – ambas incluem matéria noticiosa, informações úteis,
cartaz do cinema, etc., além de um artigo que resume a história
do jornal e outro centrado na do jornal “irmão” – a mensagem
transmitida por cada um dos matutinos não é exatamente a mesma.
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A
diferença ressalta logo da manchete que enche a primeira página:
o «Fim», negro e garrafal de
A Capital, que aparece
enquadrado numa moldura de primeiras páginas pretéritas,
diferencia-se do rubro «Até à próxima!» que coroa uma grande
fotografia da equipa de O Comércio do Porto. A mesma dessintonia ressoa nos editoriais.
Em «Última edição», Paulo Narigão Reis, diretor
interino de A Capital,
afirmava-se «Zangado. Triste: Sinceramente incomodado por ter de
[…] fechar o que nomes como Norberto Lopes, Mário Neves, David
Mourão-Ferreira ou Francisco Sousa Tavares ajudaram a
construir.» Também não queria apagar a esperança que Appio
Sottomayor tentou incutir na equipa ao recordar que «A CAPITAL
nasceu em 1910, renasceu em 1968». Ele quer acreditar. Sobretudo
quer salvaguardar e valorizar o trabalho realizado por toda a
equipa, relevar a sua competência e empenho, não obstante as
condições adversas que enfrentaram. Mas a análise que faz sobre
o fim de A Capital e o
futuro da imprensa não oferece dúvidas, é mesmo muito negativa:
«Infelizmente, um jornal hoje em dia já não se faz só de
notícias, sejam elas boas ou más. Houve alguma coisa que falhou
neste projecto, e a visibilidade reconquistada no último ano não
se traduziu no aumento das vendas. Não é este o espaço para
procurar explicações e apontar culpados. A realidade é esta: A
CAPITAL não conseguiu aguentar num mundo onde quem corre como «out-sider»
tem, cada vez mais, a vida dificultada. Num dia que espero não
ver, todos teremos apenas a informação que alguns deixarão dar.»
O «Até à
próxima» de Rogério Gomes, diretor de
O Comércio do Porto,
transmite mais confiança na continuidade do jornal.
Fundamentalmente, ele acredita ou quer acreditar que o jornal
possui na região Norte um valor histórico e identitário, que
está para lá do serviço noticioso e informativo que presta, e
por isso a população, logo que alertada para situação, não
ficaria de braços cruzados, ia mobilizar-se em defesa de
O Comércio do Porto.
O
editorial de Rogério Gomes foi dirigido à opinião pública
regional, especificamente à massa anónima e aos dirigentes das
suas múltiplas organizações e representantes no poder local. E
procura despertar, agitar, o seu sentimento comunitário e de
pertença. Aparentemente, os maiores empresários da região já
tinham sido contactados, mas não se comoveram. Só assim se
explica que Rogério Gomes os refira no seu apelo, em tom
vagamente condenatório: «O perigo de extinção de um património
tão valioso como O COMÉRCIO DO PORTO não devia ser motivo para
um amplo movimento em sua defesa e, mais do que isso, para os
empresários – vários, dois, um que fosse… - se mobilizassem para
defender um jornal que custava um euro, sem passivo e que, na
pior das hipóteses, exigia um investimento de 3,5 milhões de
euros a dois anos para o tornar equilibrado e rentável?»
Portanto,
a salvação estava na multidão e foi a ela que Rogério Gomes
apresentou a defesa de O
Comércio do Porto, sob a sua direção: «que penso que há
espaço para um jornal que mostre aos leitores o que se passa na
proximidade em contraponto com a globalização que tudo diz sobre
o Iraque mas esquece a vizinhança; que defendo que autarquias,
pequenas empresas, partidos políticos, instituições locais e
regionais, agremiações e cidadãos só têm a ganhar com a
existência de um meio que os tenha no topo das prioridades
informativas; que não abdico da vigilância democrática sobre os
poderes locais, das suas iniciativas e decisões, e que só um
jornal diariamente atento pode ter; que tenho a certeza […] que
o eventual desaparecimento deste jornal vai coarctar a
possibilidade de expressão de toda e qualquer instituição que a
Lisboa não interesse e mesmo daquelas um pouco mais distantes da
atenção portuense».
Confiante
na sua visão e estratégia, Rogério Gomes não se dispensou de
criticar abertamente a Prensa Ibérica, cuja decisão «em
suspender a publicação do jornal foi súbita, surpreendente e
pouca margem de manobra deixou para que fosse encontrada uma
solução que impedisse o encerramento» de
O Comercio do Porto.
Embora
Rogério Gomes tenha optado por dar ao seu editorial um cunho
marcadamente regionalista e pessoalizado, ele acaba por
convergir com Paulo Narigão Reis na leitura que faz dobre a
tendência para a redução do número de jornais: «convenço[-me]
todos os dias de que O COMÉRCIO DO PORTO só não agrada àqueles
que não vêem no pluralismo de opiniões, na crítica e no elogio,
a expressão verdadeira da democracia e da liberdade.»
Resta
dizer que, à parte da matéria noticiosa e informativa, a
publicidade, etc., os conteúdos de cada última edição foram
alinhados com a posição assumida em editorial pelo respetivo
diretor.
Assim, n’A
Capital foram publicadas mais de 45 crónicas de despedida
dos seus jornalistas, um número impressionante. A história da
segunda série do último grande vespertino português, iniciada em
1968, foi lembrada por Appio Sotomayor, jornalista d’
A Capital desde esses primeiros tempos e autor da mais antiga
rubrica dedicada a Lisboa, o «Poço da Cidade». À data do seu
aparecimento, em 1968, A
Capital afirmou-se continuadora do jornal fundado por Manuel
Guimarães, uns meses antes da proclamação da Republica, a 1 de
Julho de 1910, A Capital: Diário Republicano da Noite, que se publicou até 27
Agosto de 1926, quando foi «suspenso» pela ditadura. Porém, para
garantir a propriedade do título, Manuel Guimarães prosseguiu
com a publicação irregular de, pelo menos, um número por ano. A
situação manteve-se até Julho de 1938 – a primeira vida d’A
Capital encontra-se disponível na Hemeroteca Digital. Em
Novembro de 1945, o título
A Capital reapareceu como publicação vocacionada para a
promoção de espetáculos de entretenimento popular, em Lisboa,
sobretudo da programação do Coliseu dos Recreios, que pertencia
a Ricardo Covões. Foi ele que assumiu as funções de «Director,
Editor e Proprietário» desta nova
A Capital, que se
publicou, irregularmente, até 1967. Portanto, foi por via dos
herdeiros de Ricardo Covões, que o titulo foi cedido aos
fundadores d’A Capital
(re)nascida em 1968, novamente como diário vespertino: Norberto
Lopes e Mário Neves, Carlos Ferrão, Álvaro Salema, Maurício de
Oliveira, Carlos Machado, Fernando Soromenho, Raul Alves
Fernandes, Manuel Nunes e Eugénio Quinhones de Sá. O seu
primeiro editor foi Américo Covões, que se manteve no posto até
27 de Abril de 1970. Sublinhe-se
ainda que Norberto Lopes e Mário Neves, que assumiram as funções
de diretor e diretor-adjunto, tinham abandonado o
Diário de Lisboa, em
1967, em desacordo com a orientação imposta pelo novo acionista
maioritário: o Banco Nacional Ultramarino.
O Comércio do Porto associou às crónicas de
despedida dos seus jornalistas as «reações» de diversas
personalidades, com peso institucional, dirigentes de
associações locais, artistas, empresários, políticos e cidadãos
anónimos à notícia da «suspensão» e possível desaparecimento do
jornal mais antigo do país. Foram muitos os que deram a cara, o
que também fez sobressair os que optaram pelo silêncio. A edição
está aí para quem a quiser recordar. A história de
O Comércio do Porto,
fundado por Henrique Carlos Miranda e Manuel Sousa Carqueja, em
Junho de 1854, foi evocada por Rémulo Jónatas.
Parece ser incontestável
que A Capital e de
O Comércio do Porto
marcaram o jornalismo português durante muitos anos, revelando
grande resiliência e capacidade de adaptação à mudança. Na
verdade, até revelaram entusiasmo pelas mudanças vivenciadas,
mas que acabaram por os condenar ao desaparecimento.
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