Recortes de imprensa:

"José Cardoso Pires, Dinossauro Excelentíssimo", por Liberto Cruz. Colóquio Letras, N.º 10, Novembro 1972,
pp. 75-76.

"Cardoso Pires, biógrafo", por Júlio Conrado. Jornal da Costa do Sol, 9 Dezembro 1972.

"Inferior e repugnante". Época, 16 Dezembro 1972.

"Literatura", por Júlio Conrado. O Século Ilustrado,
n.º 1826, 30 Dezembro 1972, p. 55.
 

DINOSSAURO EXCELENTÍSSIMO
José Cardoso Pires, com ilustrações de João Abel Manta

Tanto assim que, até ao final de 1972, a Arcádia fez mais duas edições do Dinossauro Excelentíssimo, uma em Novembro e outra em Dezembro, que foram pretexto para a publicação de novas recensões críticas e comentários na imprensa, nomeadamente na conectada com o regime, que até ali se tinha mantido em silêncio, como estratégia de boicote.

Foi o caso do diário Época (órgão oficioso da Ação Nacional Popular) que, na edição de 12 de Dezembro de 1972, sob o título "Inferior e Repugnante", encenou uma análise literária ao Dinossauro, sem nunca referir explicitamente nem o livro, nem autor, nem o assunto. O exercício preconizava ser uma espécie de antítese do livro e um antídoto para o entusiasmo que gerara, mas foi mais “um tiro no pé", como se pode constatar: «Anda novamente a estadear-se nos escaparates das livrarias um volume de bela apresentação gráfica (embora inferior à da primeira edição) em que o respectivo autor pretende fabulizar satiricamente determinado período histórico e a sua personagem dominante. Em princípio, nada temos a opor à intenção: não só o autor é livre de se ocupar da matéria que mais possa aprazer-lhe, mas também é geralmente reconhecido que jamais houve alguém verdadeiramente grande a cujo respeito se não tivessem feito tentativas de similar natureza."

Mas a arte de satirizar não estava ao alcance de todos, advogaram, e de Cardoso Pires não estava seguramente, pelo que o resultado estava à vista no "volume em causa, sensaborão e cansativo, que só por sacrifício se consegue ler até ao fim, apesar do reduzido texto." Assim sendo, "a importância que certos sectores têm atribuído ao produto poderá parecer excessiva – e, em certo sentido, sem nenhuma dúvida o é. Excessiva, desmesuradamente excessiva, se o encararmos pelo ângulo da sua possível valia literária, […] pelo que possa conter de panfletarismo político, […] pela influencia que possa ter exercido (tanto mais quanto o seu elevado custo por certo dissuadiria muitos de o adquirirem). Mas não são esses os únicos critérios que devem ser contemplados no julgamento de semelhantes coisas." Havia também que considerar o respeito devido às crenças e opiniões alheias – que a fábula do Dinossauro ignorava impiedosamente. Havia, pois, várias sentenças a extrair: "O autor é culpado, sem dúvida. Os editores culpados, indiscutivelmente. […] Mas não será verdade que os maiores culpados somos quantos deixamos a abjecção em causa repoltrear-se nos ouropéis do êxito escandaloso e, de alguma forma, para ele contribuímos? Em última análise, cabe a todos os insultados obterem satisfação das injúrias sobre eles bolsadas." Esta espécie de repto, espelho do desespero provocado pela não intervenção da Censura, acabou por mobilizar alguns, como recordou Cardoso Pires numa entrevista a Artur Portela: «Um general Câmara Pina, que era combatente medalhado nas heróicas tertúlias do Chiado, foi um deles. Andou pelas livrarias da Baixa mais os velhinhos do chá das cinco, em operação de intimidação, para que o livro fosse retirado das montras. Um industrial (de Santarém, salvo erro) retirou todas as suas encomendas da tipografia que o estava a reimprimir e um administrador da Bertrand, Luiz Forjaz Trigueiros, impediu que o livro fosse reeditado naquela empresa, apesar de já estar assinado o respectivo contrato. Trigueiros era frequentador da Literatura, homem de lobbies financeiros e suponho que sócio da Academia."

6/8

         
            
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