Guilhermina Augusta Xavier de Medin Suggia nasceu em 27 de junho de 1885, na freguesia de S. Nicolau, no Porto, e morreu na noite de 30 de julho de 1950, na sua casa da Rua da Alegria, 665, também no Porto.

Filha de Augusto Suggia, violoncelista, formado no Real Conservatório de Lisboa e músico na orquestra do Real Teatro de S. Carlos e de Eliza Augusta Xavier de Medin Suggia. Tendo sido Augusto convidado a dar aulas nas escolas da Santa Casa da Misericórdia de Matosinhos, partiu o casal para o Porto onde  nasceram as duas filhas: em 1882 Virgínia, que viria a ser uma considerada pianista, e 3 anos mais tarde, Guilhermina.

Antes de Guilhermina fazer 2 anos a família deixou a casa da Rua Ferreira Borges, no Porto, e foi viver para a casa de Manhufe, também conhecida pela Casa do Leão, ainda existente, embora em muito mau estado, no bairro dos pescadores em Matosinhos. É nessa casa que, aos 2 anos, em vez de brincar, começou a ouvir o pai tocar, interessando-se cada vez mais pelo que ouvia, chegando a pedir que o pai tocasse esta ou aquela música, e a fazer reparos pela maneira como o pai havia tocado. Aos 5 anos pediu-lhe que a ensinasse a tocar violoncelo. O pai assim fez, passando-lhe o seu instrumento. E ambos estavam radiantes e a pequenita aprendia tudo rapidamente e discutia com ele os métodos de ensino. Augusto Suggia, orgulhoso, convidava todos os seus amigos para irem ouvir a sua miúda. Um dia, o Visconde de Villar d’Allen entrou na sala dos Suggia e viu a pequena a tocar num violoncelo maior do que ela. Mandou imediatamente vir de Paris um violoncelo ¾, mais apropriado ao tamanho da pequena Guilhermina. Antes de conhecer as letras do alfabeto, já conhecia todas as notas musicais e, com ouvido-absoluto, distinguia-as perfeitamente.

Aos 7 anos fez a sua estreia, na Assembleia de Matosinhos, acompanhada ao piano pela irmã Virgínia. Foi um êxito. No final a assistência aplaudia de pé e o pai Augusto comovidamente deixava correr algumas lágrimas pelo rosto.

A aprendizagem manteve-se enquanto se iam realizando alguns recitais nos salões de Porto e arredores. Aos 12 anos, o grande músico e pedagogo Moreira de Sá, fundador do Orpheon Portuense, convidou Guilhermina Suggia para tomar o lugar do violoncelista Joaquim Casella, no Quarteto Moreira de Sá, e aos 13 anos foi convidada para a Orquestra do Orpheon Portuense, tomando o lugar de chefe do naipe dos violoncelos.

Todos os anos, durante o verão, grandes músicos abrilhantavam as noites do Casino de Espinho e, em 1898, um sexteto catalão tem essa incumbência, sendo que desse sexteto fazia parte o ainda jovem, mas já muito conceituado violoncelista Pablo Casals, que uma vez por semana tocava a solo. Moreira de Sá foi ouvi-lo e recomendou a Augusto Suggia que fosse com a filha ouvir o catalão. Assim foi. Augusto e Guilhermina foram de comboio e assistiram à atuação de Casals. No final foram cumprimentá-lo e Augusto disse-lhe que a filha estudava violoncelo. Casals conversou com Guilhermina e, às tantas, passou-lhe o seu violoncelo para as mãos e pediu-lhe que tocasse. Casals ficou abismado com o que ouvia. De tal modo que sugeriu a Augusto Suggia dar lições a Guilhermina uma vez por semana durante a sua permanência em Espinho. E assim foi, todas as semanas Augusto e Guilhermina rumavam no comboio em direção a Espinho.

Guilhermina estudava insistentemente e os êxitos repetiam-se sempre que atuava. Em Março de 1901 o Quarteto Moreira de Sá foi tocar no Salão Nobre do Conservatório Nacional de Lisboa. No dia seguinte as duas irmãs, Virgínia e Guilhermina, tocaram no Salão Lambertini, na Praça dos Restauradores, e um dia depois no Palácio das Necessidades, para a Família Real. Agradaram muitíssimo. No final do recital, os Reis foram cumprimentar as irmãs e a Rainha D. Amélia, tecendo os maiores elogios, perguntou a Guilhermina o que mais ambicionava como música. Guilhermina, decididamente, respondeu que gostaria muito de ir aperfeiçoar-se numa escola no estrangeiro. A Rainha D. Amélia prometeu fazer tudo para conseguir uma bolsa de estudo com esse objetivo.

Regressaram a Matosinhos e passados dias o Conde de Sabugosa mandou entregar por ordem da Rainha, na residência dos Suggia, duas pulseiras de oiro com rubis, uma para cada irmã, como sinal do grande prazer que tivera ao ouvi-las tocar.

Os meses iam passando, e a ansiedade aumentava. A bolsa nunca mais chegava e a vontade de aprender mais era grande, muito grande.

Finalmente, em Outubro, chegou a bolsa de estudo do Reino. Uma bolsa de 650 mil réis, para ir estudar no estrangeiro. A emoção foi forte e havia que tomar todas as providências para aproveitarem o ano letivo prestes a começar. Por indicação de Óscar da Silva, que havia estudado em Leipzig, foi escolhido o Conservatório de Música daquela cidade alemã, onde lecionava Julius Klengel. Não havia tempo a perder. O Cônsul alemão no Porto contactou uma sobrinha residente em Leipzig que aceitou acolher Guilhermina em sua casa. Augusto quis acompanhar a sua filha durante a estadia. O Professor Klengel, contactado, aceitava ouvir Guilhermina, de forma a que ainda pudesse entrar no Conservatório. Em Novembro de 1901, Augusto e Guilhermina partiram de comboio rumo a Vigo, de onde seguiram por barco até Bremen. Em Matosinhos ficou Virgínia, com a mãe Eliza, e nesse período trabalhou afincadamente aumentando o número de alunos, de modo a poder cobrir as despesas de manutenção da casa e do pai em Leipzig.

Chegados a Leipzig no dia 28, apresentaram-se ao Prof. Klengel que ouviu aquela que iria ser a sua nova aluna no Conservatório de Leipzig. Depois de a escutar com todo o cuidado, de lhe pedir que tocasse várias obras, deu a audição por terminada, chamou o pai de Guilhermina e disse-lhe que seria perder tempo frequentar o Conservatório, pois Guilhermina estava muito mais avançada que qualquer aluno da escola. Propôs-se dar-lhe aulas particulares. Assim foi. Os estudos prosseguiam e sua aluna, sempre muito aplicada, ia avançando duma maneira significativa. O professor propôs que as lições não fossem interrompidas durante as férias de verão. Os três viviam intensamente os progressos notados e ao fim de menos de um ano o professor disse não ter nada mais para lhe ensinar. Quis apresentá-la a Arthur Nikisch, o grande maestro titular da Gewandhaus de Leipzig e da Philharmonika de Berlim. Nikisch aceitou ouvi-la e propôs que fosse na sua própria casa. Nikisch achou Guilhermina um caso sério de talento e convidou-a a tocar como solista na Gewandhaus.

O convite era excelso e todos ficaram embevecidos de orgulho. O seu Professor quis lançar a sua aluna no meio musical de Leipzig e organizou um recital em sua honra, tocando com ela obras para 2 violoncelos, sendo que ele ficava com o segundo violoncelo. Foi um escândalo perante os seus pares: aquele que era considerado o maior professor de violoncelo da altura dar o 1º violoncelo a uma aluna! Em resposta, Klengel disse que não tinha mais nada para lhe ensinar e que ela haveria e subir tão alto que ninguém a alcançaria e que um dia haveriam de lhe dar razão.

Em Dezembro de 1902 – um ano depois da chegada a Leipzig – Guilhermina Suggia, com 17 anos tornou-se a primeira mulher a tocar, como solista, na Gewandhaus, e o solista mais novo. Tocou o Concerto para violoncelo e Orquestra de Volkmann. No final da atuação, o público, de pé, aplaudiu e gritou veementemente “Bis”. A insistência foi tal que Arthur Nikisch quebrou as normas rígidas e mandou repetir o concerto na íntegra.

Tinham sido abertas as portas de todos os grandes centros musicais do mundo e Guilhermina Suggia não mais deixaria de ser solicitada a tocar.

Em 1906 reencontrou-se com Pablo Casals, e decidem começar uma vida em comunhão. Vivem em Paris, na Villa Molitor e convivem com os maiores artistas do seu tempo. Compositores dedicam-lhes obras. As críticas são muito favoráveis ao que era considerado o maior par de violoncelistas do momento. Muitas vezes essas críticas punham Suggia em primeiro lugar e isso era menos agradável para Casals, habituado a ser considerado o maior violoncelista. A vida entre os dois começou a ser um pouco atormentada e no final de 1913, o casal separa-se.

Suggia refugia-se uns dias em casa de sua irmã Virgínia, que entretanto havia casado com um Editor Livreiro, Léon Pichon, e abandonara o piano para se dedicar inteiramente à casa e ao marido. Vivia em Paris.

No início de 1914, Suggia parte para Londres e aí recomeça uma vida nova. Rapidamente é notada por toda a gente do meio musical e convive com os maiores intelectuais do tempo. Toca sempre, estuda incessantemente sem mostrar sinais de cansaço. Convive com os intelectuais do The Bloomsbury Group. Dora Carrington é uma apaixanoda pela arte de Suggia. Virgínia Woolf fala de Suggia no seu Diário – curiosamente a edição portuguesa corta essa passagem. Augusthus John pinta Suggia. Durante o tempo dedicado a essa pintura, Suggia posava sempre tocando Bach. Das mãos deste pintor saiu o famoso quadro “Madame Suggia”, que faz parte do acervo da Tate Gallery e o quadro “Guilhermina Suggia”, no Museu Nacional de Cardiff.

Em Londres, Suggia conhece o magnata Sir Eduard Hudson, que lhe ofereceu o violoncelo Montagnana e comprou o Castelo de Lindesfarne para lhe oferecer. Era um castelo que estava abandonado, restaurou-o e nele fez uma sala, com um estrado, onde Suggia gostava de tocar. O casamento entre eles chegou a ser anunciado nos jornais ingleses. Mas em 1923, numa viagem que fez ao Porto com a mãe, conheceu aquele que viria a ser o seu marido, o médico radiologista José Casimiro Carteado Mena. De volta a Inglaterra, desfez o seu casamento com o magnata e devolveu-lhe o castelo. Hoje este castelo é monumento Nacional e mantém a mesma sala que havia sido de Suggia, com um violoncelo em sua homenagem. Mr. Hudson morreu em 1932 e deixou no seu testamento 250 Libras a Suggia, em compensação pelo muito prazer que ela lhe havia dado em vida, ouvindo a sua música.

Em 1924, Suggia declara oficialmente como sua morada a casa que havia comprado no Porto para juntar os pais, e em 1927 casa com o Dr. Carteado Mena, passando a residir na Rua da Alegria, 665. Continua a sua vida de concertista, reclamada por todos os centros musicais, e passa a dedicar-se mais ao ensino. Com a morte do pai, alguns alunos deste passaram para a sua tutela. É o caso de Isabel Cerqueira Millet e Madalena Sá Costa.

A sua casa do Porto foi sempre um “viveiro” artístico. Nela se realizaram muitos concertos e até se fez a estreia duma orquestra: a Camarata Portucalense.

Poder-se-á dizer, sem qualquer dúvida, que Suggia dedicou toda a sua vida à música. Deu o seu último recital, dois meses antes de morrer, no Teatro Aveirense, já muito doente.

Em 1932 morreram os pais, em 1947 morreu a irmã, e em 1949 o marido. Ficou só, sem um único familiar. A sua empregada Clarinda era a sua amiga e confidente. Na véspera de morrer pediu-lhe que a mandasse pentear pediu que quando morresse lhe pusessem o Montagnana ao seu lado. Assim foi.

Em 30 de Julho de 1950 morreu. Deixou no testamento a vontade que os seus violoncelos Montagnana e Stradivarius fossem deixados, respetivamente, ao Conservatório de Música do Porto e à Royal Academy of Music, para serem vendidos e com a receita serem instituídos prémios, no Porto e em Londres, aos melhores alunos de violoncelo de cada ano. No Porto foram atribuídos 5 prémios e em Londres umas largas dezenas, onde figuram os nomes mais importantes do género: Jacqueline du Pré, Steven Isserlis, Raphael Wallfisch, Robert Cohen, e tantos outros. O prémio deixou de ser atribuído há poucos anos.

Deixou ainda os seus outros 5 violoncelos a suas ex-alunas e o seu espólio musical, livros e partituras, ao Conservatório de Música do Porto, para serem postos numa sala condigna a fim de poderem ser consultados por alunos, professores e outra gente interessada no estudo da música.

Podemos dizer que temos em Portugal uma forte escola de violoncelo graças a Guilhermina Suggia, que a influenciou direta ou indiretamente.

por Virgílio Marques
Associação Guilhermina Suggia