Porventura a primeira canção de clara contestação ao regime ditatorial, e que ainda hoje mais ressoa na nossa memória coletiva, Trova do vento que passa inaugura e propõe, nas suas próprias palavras, a missão interventora que não mais largará os cantores da resistência ao fascismo: “Mas há sempre uma candeia / Dentro da própria desgraça / Há sempre alguém que semeia / Canções no vento que passa”.

Em 1963, depois de sete meses preso em Angola, Manuel Alegre volta a Coimbra, onde é “«objeto duma perseguição permanente, sistemática, de provocações dos tipos da PIDE.» É assim que todas as noites um amigo acompanha-o a casa, muitas vezes o amigo é Adriano Correia de Oliveira. Numa dessas noites, em plena Praça da República, Manuel Alegre exprime a sua revolta: «Mesmo na noite mais triste / Em tempos de servidão / Há sempre alguém que resiste / Há sempre alguém que diz não». E o Adriano diz: «mesmo que não fiquem mais versos, esses versos vão durar para sempre». Ficaram. «E depois o poema surgiu naturalmente». Tinha nascido a Trova do vento que passa. «Tentou encaixar-se aquelas trovas no fado tradicional mas não dava. E, de repente, o António Portugal saiu-se com aquela música. Percebemos que estávamos perante uma coisa única. O casamento da música e do poema. Foi em casa dos meus pais, estava o Zeca, o Adriano cantou, e percebemos que tinha acontecido qualquer coisa de mágico». Três dias depois vieram para Lisboa, para uma festa de recepção aos caloiros na Faculdade de Medicina sem pedir a respectiva autorização à PIDE. Manuel Alegre foi apresentado por Silva Graça, fez um discurso emocionado, depois o Adriano cantou e quando acabou de cantar «foi um delírio, teve que repetir três ou quatro vezes, depois cantou o Zeca, depois cantaram os dois. Saímos todos para a rua a cantar. A Trova do vento que passa passou a ser um hino para aquela gente» ”. (Manuel Alegre in Raposo, Eduardo M., Cantores de Abril, Lisboa, Ed. Colibri, 2000, p. 172).

Isabel Novais
Serviço de Fonoteca