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col.
Biblioteca-Museu República e Resistência |
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Natural do
Porto, Alfredo Barata da Rocha (1891- 1956) tirou o curso de
Medicina pela Universidade daquela cidade, tendo apresentado a
sua tese de licenciatura em 1919, já depois do fim do conflito.
A sua dissertação inaugural, como então se designavam as teses,
teve por título Gases tóxicos: Notas da guerra
(disponível no Repositório Aberto da Universidade do Porto,
aqui), obra que dedicou à memória de
seus pais, do seu irmão falecido na guerra, e “dos que tombaram
em França e África”. No prefácio desta obra explica que ela
resulta das leituras feitas e de mais de três centenas de casos
observados na frente de guerra.
Foi como alferes
médico miliciano que integrou o Corpo Expedicionário Português.
Enviado por barco para França, aí esteve de baixa uma primeira
vez, por ter inalado gases tóxicos, e uma segunda vez por ter
sido ferido na Batalha de La Lys, onde participou. Foi elevado à
patente de Tenente e condecorado com a Cruz de Guerra de 1ª
Classe e com a medalha da Vitória. Foi o primeiro presidente do
Núcleo do Porto da Liga dos Combatentes, fundado em 1925, por
sua iniciativa. Foi ainda autor de Soldadinhos de África e de
França, poema escrito a pedido da Comissão organizadora da
Peregrinação ao Túmulo do Soldado Desconhecido no Mosteiro da
Batalha em 9 de Abril de 1925.
A Névoa da
Flandres é um livro de poemas que
segundo o autor foram publicados em vários jornais e revistas,
que não pudemos identificar. Reúne 35 poesias escritas ao longo
da sua experiência enquanto alferes médico, tendo quase todas
dedicatórias a vários dos seus camaradas de armas e a figuras do
Corpo Expedicionário Português, como, por exemplo, a Cristóvão
Aires, André Brun, Ferreira do Amaral ou Hernâni Cidade. São,
nas palavras do autor, uma homenagem aos “seus irmãos de fogo e
agonia” e o seu valor encontra-se exatamente no facto de
acompanharem a par e passo o seu percurso militar, e redigidos,
como se vê pelas datas, no teatro de operações. Para além dos
“poemas militares”, salientem-se os que são mais pessoais, como
A Mãe, dedicado às suas irmãs, que o tinham criado depois de
em jovem ter ficado órfão, e o poema E fala o meu coração
onde partilha com o leitor a tarefa consoladora junto dos
soldados moribundos (“Dorme sereno, descansa! /Tu só vais
adormecer…) e o profundo respeito que lhe mereceram estes mortos
em combate. Igualmente significativo, em nosso entender, é
Nossa Senhora da Trincha que nos remete para uma poesia
inspirada nas orações populares e com a qual o leitor facilmente
se identificaria, na época.
Curiosamente, logo
em 1918, Barata da Rocha no poema Transfiguração exalta a
presença do Cristo de Neuve Chapelle, vulgarmente chamado de
Cristo das Trincheiras. O Crucifixo com o Cristo Redentor
mutilado, foi o que restou da localidade de Neuve Chapelle após
os bombardeamentos da ofensiva alemã de 1918, onde as tropas
portuguesas foram duramente atingidas. Os soldados lusos
recolheram o Cruzeiro para o salvar da destruição final e em
1958 o Governo português solicitou a França que lhe fosse dado o
Cristo das Trincheiras, o qual se encontra à cabeceira do Túmulo
do Soldado Desconhecido, no Mosteiro da Batalha. O Túmulo foi
criado em 1921, contendo os restos mortais dos soldados
portugueses mortos em combate, um na Flandres, outro em África,
e foi para essa cerimónia que Alfredo Barata da Rocha escreveu o
poema Fala a Mãe Desconhecida…, por isso, o único que
redigiu em tempo de paz, exprimindo toda a angústia das mães
portuguesas perante a morte dos seus filhos.
Ana Homem de
Melo | Lisboa, GEO, julho 2014
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