|
col.
Hemeroteca Municipal de Lisboa
|
|
O ZÉ: sucessor do jornal O Xuão
(Lisboa, 1 de novembro de 1910 a 1 de março de 1919, num total
de 324 números). A partir de setembro de 1914 o tema da
guerra (e dos seus impactos, nacionais e internacionais) chega
mesmo a monopolizar os conteúdos informativos e iconográficos
deste semanário de caricaturas e humorístico, bastante
popular na época, a par das notícias sobre as atividades
paralelas da empresa que detém o título, a Empresa do jornal
O Zé. Sem surpresa, abundam nas suas páginas os
cartoons antigermânicos (o Kaiser Guilherme II é o alvo
predileto dos caricaturistas de serviço, não raras vezes com
grande violência gráfica e satírica), ao lado de desenhos que
fazem um apelo quase desesperado pela paz. Como
característica deste período, relativamente à colaboração
gráfica, registe-se a ausência de assinaturas nas caricaturas da
casa, regra que é quebrada quando se trata de reproduções de
desenhos publicados originalmente em periódicos estrangeiros.
Temos também artigos regulares integralmente dedicados a
escalpelizar o conflito militar (aqui predominam os
pseudónimos), como as rubricas «Crónica em tempo de guerra», de
F. de T., «Últimas notícias (Do nosso correspondente
especialíssimo). A Guerra», de C., «Na brecha», de Jean Jacques,
entre outros; gazetilhas centradas na guerra e nas suas
consequências (pululam no interior do semanário); ou
mesmo publicidade, como o anúncio da edição de 3 de setembro
de 1914 (repetido nos números seguintes) a uma coleção de
folhetos de 48 páginas, intitulado A Guerra. Suas Causas e
Efeitos, com ilustrações de Alfredo Moraes, e que são
indicações preciosas para se conhecer o que então se publicava
no país sobre a I Guerra Mundial.
No que toca à participação
de Portugal na I Guerra Mundial percebe-se que O Zé tem
um posicionamento crítico, não tanto pela participação
propriamente dita, que aceitava, como inevitável para defender
as colónias (alinhando, portanto, com o grosso do discurso
republicano), mas sobretudo pela falta de meios (armas) para
“combater os alimães [sic]”, lê-se com graça na legenda da
célebre caricatura “O Zé vai para a guerra”, de 8 de Outubro de
1914. O sucessor do Xuão suspendeu a sua publicação entre
5 de Novembro de 1914 (n.º 208) e 6 de Abril de 1915 (n.º 209),
na sequência de uma acusação de difamação e injúria ao
Presidente Manuel de Arriaga, com pedido de indemnização de
200$00. Regressou sob protesto com algumas alterações (no
cabeçalho, com novo desenho, e com um inédito subtítulo, de
semanário de caricaturas a cores, órgão oficioso do humorismo
radical), mas no essencial continua na mesma, saindo às
terças-feiras, com oito páginas das quais quatro inteiramente
dedicadas a caricaturas e cartoons. Ao longo de 1915,
como refere Pedro Mesquita no estudo que lhe dedicou, “O
Zé passa a inserir na última página, com frequência, a
reprodução de uma caricatura saída em periódico estrangeiro [o
tema da guerra é menos frequente]. Em termos domésticos,
mostra-se inicialmente favorável ao governo Pimenta de Castro,
para em Maio, embora com reservas, saudar o movimento que
derruba o seu ministério”. A partir daqui O Zé perde
muito do fulgor e da irreverencia gráfica e humorística que o
caracteriza nos primeiros anos de existência, e volta a centrar
o seu olhar na realidade interna, que continua a causticar,
privilegiando sempre a caricatura política em detrimento da
social, num registo que oscila entre o popular e o brejeiro.
Na mesma linha, conclui Pedro Mesquita: “Na verdade, O Zé,
tal como existia em 1910, tinha acabado. Sem verve, acossado
no seu próprio campo, sem apoio político que o amparasse. Era,
em finais de 1915, um jornal de índole noticiosa, com forte
componente recreativa e publicitária”. Para saber mais sobre
esta publicação, ler, na íntegra, a respetiva ficha histórica.
Álvaro Costa de Matos | Lisboa, HML, julho de 2014
|
|