col. Biblioteca-Museu República e Resistência

A monografia que hoje apresentamos, A Mentira da Flandres e… o Medo, foi publicada em 1922, pela Livraria Rodrigues. O seu autor, João Maria Ferreira do Amaral (1876-1931) foi oficial do Exército, tendo-se alistado em 1895 e atingindo o posto de coronel. Como militar, participou nalgumas das campanhas militares no sul de Angola ainda antes da I Grande Guerra. Em 1915, participou na campanha do Cuanhama e em 1917, estando em Lisboa, foi enviado para o teatro de operações na Flandres como Comandante do Batalhão de Infantaria 15. Após o conflito, em 1923, foi nomeado comandante da Polícia Cívica de Lisboa (atual PSP) exercendo forte ação na defesa da ordem pública. Ao longo da sua carreira recebeu diversas condecorações, das quais destacamos a elevação a Oficial da Torre e Espada e a Grande Oficial da Ordem Militar de Aviz.

É a partir da vasta experiência como militar que João Ferreira do Amaral redige a sua obra que viria a causar polémica à data da edição. Desassombradamente crítica da política conturbada da I República, A Mentira da Flandres e …o Medo! (com reticências no título a criarem suspense, e ponto de exclamação a reforçar a surpresa) defende a ideia de que a participação portuguesa no teatro europeu da guerra foi obra da classe política que abandonou o teatro africano onde Portugal sempre estivera presente. A sua própria vida militar em terras de Angola, certamente influenciou esta perspetiva, assim como o seu afastamento voluntário da vida política partidária, lhe permitiu apontar o dedo a políticos de todos os quadrantes na criação desta “mentira” de que só com a presença de Portugal na Flandres é que o novo regime poderia assegurar a sua sobrevivência internacional. Através da leitura desta obra, conhecemos, a partir de um dos seus intervenientes, não só o espírito das tropas em combate, mas também figuras dos regimes monárquico e republicano, ligações e influências políticas, pequenos episódios de desconhecidos soldados em África e na Flandres, descrições de acontecimentos da época, ajudando-nos a recriar o ambiente político e militar do Portugal do início do século XX.

Ana Homem de Melo | Lisboa, GEO, julho 2014