col. Biblioteca-Museu República e Resistência

Natural de Lisboa onde nasceu a 24 de outubro de 1889, Mário de Almeida, filho da atriz Maria Pia de Seabra Cruz e de Carlos Marques dos Santos de Almeida, foi oficial do exército e homem de letras. Autor de duas peças de teatro e de duas obras sobre Lisboa, colaborou em várias publicações periódicas (entre elas A Capital e A Vida Artística). Esteve exilado no Brasil depois do assassinato de Sidónio Pais (dezembro de 1918) e regressou a Portugal em 1920, trabalhando como professor na Escola Veiga Beirão. Veio a falecer em Coimbra a 3 de outubro de 1922.

Enviado a França como correspondente de guerra do jornal A Capital, O Clarão da Epopeia resulta da edição num único volume das crónicas que foram regularmente publicadas naquele periódico - «Cartas de França» - com honras de primeira página, entre julho e dezembro de 1918. Através da leitura das trinta e duas crónicas acompanhamos o jornalista na viagem que realizou começando e terminando em Hendaia, na fronteira entre Espanha e França. Em Paris, Mário de Almeida observa e descreve a vida na capital francesa, recheando as suas narrativas com pormenores do quotidiano e do estado de espírito da população, comparando a Paris que todos conheciam com a cidade perturbada pela presença dos militares americanos, dos mutilados de guerra, das crianças que colaboravam no esforço de guerra, e dos raids aéreos. A sua viagem para a frente de batalha permitiu-lhe o contato com várias nacionalidades que ele retrata através dos clássicos estereótipos de cada país, apresentando-nos os fleumáticos ingleses, os alegres franceses, os nostálgicos russos e os trágicos portugueses. De comum, o facto de serem sempre apresentados como heróis naquele cenário brutal. É ainda um discurso recheado de comparações históricas com casos do passado, diretos antecessores dos atuais, contrapondo soldados, exércitos, figuras, como se os soldados das suas crónicas reencarnassem os de outros tempos.

Não se esqueceu também de contar o que foi vendo junto da população civil, mais próxima dos campos de batalha: as tentativas de salvaguardar o património histórico dos lugares atingidos; o papel discreto e essencial das mulheres enquanto enfermeiras e consoladoras; a participação de outros correspondentes de guerra e das relações que estabeleceu com alguns deles.

É uma obra rica em detalhes comuns, escrita na primeira pessoa, ou como ele próprio afirma “(…) farrapos de visões, manchas, apoteoses, silhuetas, perfis, todos vistos através do meu temperamento (…) assim eu trazia da linha a fugitiva, longínqua impressão duma tempestade que sentira mas não sofrera. (…) E o que avaramente conservava comigo (…) era apenas o clarão da epopeia formosíssima que seis milhões de homens (…) levantaram em quatro anos (…)”

Ana Homem de Melo | Lisboa, GEO, julho 2014