NOS 50 ANOS DA TAÇA DE PORTUGAL DE 1969

O comentário do Toni, da equipa do Benfica e ex-jogador da Associação Académica de Coimbra (AAC), a respeito da Final de 1969, ocorreu certamente a muitos membros do governo e outras autoridades do Estado Novo, mas por motivos diversos, é claro. É difícil de imaginar pior ou melhor desfecho, consoante a perspetiva, para a crise académica instalada desde 17 Abril, quando o presidente da Associação Académica de Coimbra, Alberto Martins, interrompeu a cerimónia de inauguração do edifício das Matemáticas e pediu a palavra ao Chefe de Estado, Américo Tomás. Não lhe foi concedida e no dia seguinte foi preso. E os estudantes revoltaram-se…

Para os estudantes de Coimbra, em greve aos exames desde finais de Maio, a disputa da Taça representou a oportunidade de realizar uma grande manifestação em Lisboa e desmascarar os insistentes comunicados que o Ministro da Educação fazia publicar na imprensa a garantir a “normalidade” da vida universitária; de denunciar todas as medidas de coação e intimidação usadas pelo governo para os calar, desmobilizar e dividir; e de dar mais visibilidade à sua luta, quer na imprensa, desportiva e generalista, quer nas ruas da capital. Ao governo foi impossível impedir esse movimento crescente ou censurar totalmente a informação publicada: era a Taça de Portugal que estava em jogo, e acabou por ser disputada pelas equipas de futebol do Sport Lisboa e Benfica e da Associação Académica de Coimbra, no estádio do Jamor, no dia 22 de Junho de 1969.

Além do mais, nos últimos jogos, a equipa da ‘Briosa’ expos dentro das quatro linhas o luto académico decretado pelos estudantes em Assembleia Magna. Quer isto dizer que, a 8 de Junho, quando os “atletas universitários” vieram a Lisboa jogar, no estádio do Sporting, a primeira mão da meia-final, apresentaram-se vestidos de branco, com uma braçadeira preta na manga esquerda da camisola – o que levou a Federação Portuguesa de Futebol a reagir, proibindo a troca injustificada da cor do equipamento e o uso de braçadeiras; no jogo seguinte, realizado no estádio municipal do Calhabé, a 15 de Junho, a equipa da Académica vestiu o seu habitual equipamento preto, mas o emblema da AAC presente nas camisolas apresentava uma discreta, mas não invisível, faixa branca. E no dia 22 de Junho, quando a equipa dos estudantes entrou no relvado do Jamor, a passo de marcha e de capa nos ombros, foi recebida por uma multidão jovem e entusiasmada, que empunhava cartazes, distribuía panfletos e entoava cânticos. Foi o Final da Taça de 1969 (que, sintomaticamente, não foi transmitida pela RTP) e o culminar de uma jornada de protesto que mobilizou milhares de estudantes de todo o país e de todos os quadrantes políticos, e que muito contribui para abalar os já muito corroídos alicerces do regime. A Taça de 1969 foi ganha pelo Benfica, mas os estudantes saíram de cabeça erguida e mais mobilizados para a luta contra a ditadura. E jogo deixou um rasto vincado na imprensa e ficou na História do futebol e do país.