col. Biblioteca-Museu República e Resistência

Francisco José de Barros, natural de Loulé, onde nasceu em 1880, era militar de carreira. Em 1917 ingressou no Corpo Expedicionário Português, tendo partido de Lisboa, a 25 de Julho desse ano, rumo à frente europeia, sendo colocado em França. Foi feito prisioneiro na Batalha de La Lys (9 de Abril de 1918) e levado para a Alemanha para o campo de Rastatt de onde foi transferido, três meses depois, para o de Bressen. Regressou a Portugal, tendo desembarcado em Lisboa a 20 de Janeiro de 1919. Nesse mesmo ano, após uma passagem por Lamego, passou à reserva. Da sua vida depois da saída do ativo pouco sabemos, mas em 1925 lançou a público, numa edição dos Serviços Gráficos do Exército, as suas memórias do conflito europeu - Portugueses na Grande Guerra -  dedicadas à sua mulher “pela carinhosa e incansável assistência moral e material com que me amparou no cativeiro”, como ele próprio afirma. Em 1952, a sua obra seria novamente editada. Francisco José de Barros viria a falecer em 1960, não se lhe conhecendo mais nenhuma obra.

 

Assim, o livro que hoje apresentamos não é uma obra literária de um escritor nato, mas antes uma simples narrativa pessoal, de linguagem cuidada e precisa, porém, sem artifícios criativos. Resulta das experiências pessoais de um oficial português prisioneiro de guerra, nas palavras do autor, “mais ou menos completas, tanto quanto o permitiram a fidelidade da memória e a presença de espírito”.

 

O interesse deste livro reside na necessidade de partilhar com todos, e talvez, mais intimamente com a sua mulher, como que em conversa amiga sem fio condutor formal, as condições em que viviam as tropas portuguesas nas trincheiras e nos campos de prisioneiros. Ao longo do livro encontramos alguns desenhos ou esquemas gráficos de forma a permitir uma melhor visualização do que se descrevia; um capítulo dedicado apenas ao “boleto”, isto é às condições e locais em que se aboletou, em que se alojou, com descrições pormenorizadas sobre o tipo de camas e de casas; narrativas de como se procedia à distribuição dos mantimentos e refeições; a capacidade de improviso para melhorar as casernas, os divertimentos, a paisagem campestre e as cidades destruídas; a descrição das instalações ao pormenor, apontando medidas e dimensões e funções.

A narrativa ganha maior interesse no relato das condições de vida nos campos de prisioneiros, permitindo-nos, hoje, reconstituir o que era a vida dos cerca de 7000 homens que foram aprisionados por tropas alemãs: a alimentação deficiente, a ausência de correspondência e de encomendas de Portugal, a brutalidade dos carcereiros, a generosidade dos civis que os tentavam ajudar, as relações que se estabeleciam entre as tropas aliadas num mesmo campo, a fuga de prisioneiros, e sempre, a esperança na vitória aliada.

Ana Homem de Melo | Lisboa, GEO, novembro 2015