col. Biblioteca-Museu República e Resistência

Amélia dos Santos Cardia (1855-1938) foi uma das primeiras mulheres médicas portuguesas. Frequentou a Escola Politécnica de 1883 a 1887, já casada, e ingressou depois na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, onde se licenciou em 1891 com a tese “Febre Histérica”. Ingressou no internato hospitalar tendo sido a primeira mulher em Portugal a fazê-lo. Abriu consultório na Praça Luís de Camões, onde, para além das consultas remuneradas, dava também consultas gratuitas aos sábados de manhã, o que lhe valeu grande reconhecimento por parte da população feminina da capital. Fundou a Casa de Saúde da Estrela, em Lisboa, em 1908, a qual dirigiu até 1916 quando se decidiu afastar da Medicina e dedicar-se aos Estudos Espíritas e à escrita. Foi membro da Federação Espírita Portuguesa onde dirigiu o Mensageiro Espírita, órgão daquela associação, e autora de diversos romances.

O livro que hoje apresentamos, reúne num único volume as crónicas que redigiu para a Ilustração Portuguesa durante o período da Guerra. Na introdução, dedica-o às mulheres “da minha terra”, mulheres que ela conheceu na intimidade da sua prática médica, e afirma que a reedição de 1919 pretendia relembrar às mulheres o sofrimento da morte para “reavivar o sentimento de fraternidade”.

O conjunto de contos recolhidos apresenta-nos cenários e personagens diversos, portugueses ou estrangeiros, mas sempre com ligação a Portugal, cujas vidas são alteradas em função da guerra. As personagens femininas são mulheres idealizadas, abnegadas, dispostas a todos os sacrifícios pelas suas famílias; mas também mulheres que trabalham, que decidem por si mesmas, que tomam as rédeas das suas vidas, talvez numa transposição para o mundo do romance das mudanças que se operavam no papel das mulheres na vida diária europeia do início do século XX. Ausente dos contos, está a visão realista dos campos de batalha e da vida militar, que Amélia não conhecia diretamente. É pois um volume destinado essencialmente ao público feminino a quem a autora sempre se dedicara enquanto médica de mulheres, ou como ela própria afirma “porventura médica de alma mais vezes que de corpo”.

Ana Homem de Melo | Lisboa, GEO, janeiro 2015