col. Hemeroteca Municipal de Lisboa

FORA DA LEI! (Lisboa, 29 de abril e 6 de maio de 1915). Foi título de dois folhetos políticos lançados contra a ditadura do general Pimenta de Castro e em defesa da intervenção de Portugal na grande guerra. Foram da lavra de dois jornalistas d’A Capital: Herculano Nunes e Hermano Neves. Este último, ainda há pouco tempo regressara de França, onde se deslocara como “repórter de guerra” ao serviço daquele diário da noite. Constituem, pois, uma fonte interessante para captar os meios e os argumentos de persuasão manobrados por essa corrente de opinião para convencer os leitores e o público em geral. Foi, sem dúvida, uma força muito ativa e que procurou exponenciar a sua projeção e eficácia articulando todos os canais disponíveis.

A Capital
oferece testemunho dessa conjugação de esforços ao anunciar de véspera e na primeira página o aparecimento do Fora da Lei!, aguçando a curiosidade dos leitores com um resumo dos principais artigos (edição de 28 de abril de 1915). Nesse primeiro número, há a destacar uma
«carta pública» dirigida ao tenente Aragão, um dos 64 militares capturados pelos alemães, durante os confrontos ocorridos no sul de Angola. O autor, Hermano Neves, procura despertar a consciência pública, o orgulho nacional ferido e humilhado, confrontando o esforço dos militares, envolvendo sacrifício de vidas, com a política contemporizadora do governo para com a Alemanha: «Você não sabe que ainda antes de terem cicatrisado os ferimentos recebidos em combate, ao passo que já corria de boca em boca a notícia da cilada onde de perto viu a morte e tantos outros dos seus camaradas a encontraram, o governo portuguez saudou na pessoa do seu representante diplomático - o Keiser allemão, que fazia anos.» Neste tom emocional, temperado de um dramatismo atroz, Hermano Neves chantageia a própria opinião pública que, com a sua indiferença, egoísmo ou medo, desmerecia o sangue derramado em África: «Não, meu amigo, desengane-se. Não tenha nos seus ócios de Windhuk [sic] a ilusão de que ao chegar aqui, a notícia do “incidente de Naulila”, ao serem publicadas as listas de officiaes em você, se não me engano, foi dado como morto, a multidão se arrojou louca de indignação a inundar as ruas com o seu trágico desespero… Se suppoz escutar echos longiquos d’essa onda popular clamando sublime o “Delenda Germaniae” vingador, pode ter a certeza que a sua imaginação interpretou mal os ventos do deserto. O crepitar da fusilaria, o troar dos canhões, as ordens seccas, dadas com os dentes serrados, os repellões de nervosismo, o ruido das cargas horoicas, o grito dos que tombam, o estertor dos que agonizam, os gemidos dos que pedem agua ou suplicam que os acabem de matar, nada d’isso também se ouviu aqui, n’esta terra de paz, onde a suprema preocupação do homem consiste em viver o melhor possível á custa do mínimo possível de esforço. Veio com effeito a notícia de Naulila. Muita gente decerto já nem se lembra d’ella. Eu tenho ideia de que se falou um pouco d’isso nas redacções e nos centros de cavaco.»

No número seguinte, em
«Porque não vamos á guerra? As inconveniencias da attitude de Portugal», o mesmo Hermano Neves, num registo mais analítico e opinativo, denuncia a falta de “visão política” dos líderes partidários, que por razão do seu faciosismo e dos interesses que agregam, se revelam incapazes de defender o interesse nacional, particularmente perante uma Inglaterra calculista, que encarava as nossas colónias como potencial moeda de troca nas futuras negociações de paz. Para saber mais sobre esta publicação, ler, na íntegra, a respetiva ficha histórica.

Rita Correia | Lisboa, HML, julho de 2014