col. Hemeroteca Municipal de Lisboa

A CAPITAL. DIÁRIO REPUBLICANO DA NOITE (Lisboa, 1910-1938). A conflagração europeia - possibilidade já ameaçadora - fez a manchete da edição de 24 de julho de 1914. Diário de «orientação republicana e patriótica», bateu-se ativamente desde a primeira hora pela participação de Portugal na guerra, ao lado dos aliados. Num esforço crescente, investiu consideráveis meios e recursos e meios para «despertar as inspirações épicas da raça», em defesa dos valores da Liberdade e da Justiça, cultivando um entusiasmo febril pela grandeza e o poder de destruição dos exércitos, apetrechados com novas armas, que refletiam o avanço da ciência e da civilização.

O perfil editorial do diário alterou-se significativamente, acompanhando o evoluir dos acontecimentos. Logo que estalou o conflito foi lançada uma
nova edição diária, a sair às 17 horas, onde se incluiria «todo o noticiário telegráfico da guerra que até essa hora» chegasse à redação. Foram criadas novas secções. Os novos folhetins assumiram por mote “a guerra”: Ontem e Hoje: História da Guerra de 1870, Soldados de Portugal, de Andre Brun e muitos outros. Publicou-se a História Ilustrada da Grande Guerra, da enciclopédia Times, em formato destacável, para futura encadernação em volumes de 200 páginas. Somou 19 volumes. Criou-se o Jornal do Soldado. Desenvolveram-se campanhas como «O Cigarro para o soldado», sugerida por André Brun, em Outubro de 1914 e que se manteve por muitos meses. Em 1918, institui-se a Taça “Mutilados da Guerra”, uma lotaria de solidariedade, entre muitas outras iniciativas. No dia 23 de novembro de 1914, quando foi aprovada pelo Congresso da Republica a intervenção de Portugal na guerra, A Capital apresentou-se nas bancas com uma capa ilustrada com uma composição alegórica das nações aliadas, de mãos dadas, para «A Cruzada dos Povos».

Mas o que faz d’ A Capital um ponto de observação único são as reportagens e as crónicas dos seus repórteres, alguns dos quais foram “soldados-repórteres”, depois de serem incorporados
. Os primeiros «correspondentes de guerra» tiveram por missão captar os estados de alma dos povos envolvidos no conflito, dar testemunho das suas paixões e dos seus ódios e, simultaneamente avaliar a imagem externa de Portugal e dos portugueses. O primeiro a partir, foi o redator Hermano Neves, que esteve em França mais do que uma vez, de onde enviou as suas as «Cartas da Guerra» (de setembro a fim de outubro de 1914); as «Cronicas de Paris», que incluem entrevistas com Georges Clemenceau, Jean Finot, Joseph Reinach e Gustave Hervé (novembro de 1915) e, mais tarde, as «Cronicas da Grande Guerra» (novembro de 1917) redigidas quando esteve na frente como capitão médico. Entretanto, também o redator André Brun andou a recolher as suas impressões sobre «Paris da Guerra» (de setembro a fim de outubro de 1915), que voltaria a cruzar em 1917, mas agora como oficial do exército, como tanto desejara. Para homenagear André Brun e emudecer os que o vinham difamando, acusando-o de tudo fazer para se eximir a marchar para França, A Capital organizou um almoço no Casino do Dafundo, com um menu concebido pelo caricaturista Francisco Valença. Edmundo Porto, colaborador d’ A Capital, andou por Espanha, a tomar pulso “aos ventos” e entrevistou o chefe do governo, D. Eduardo Pato, e outros líderes partidários como o Conde Romanones, D. Melquiadez Alvarez, D. Juan Vasquez Mella, D. Alexandre Lerroux, D. Pablo Iglezias, D. I. Sanches de Toca, D. Raphael Labra, D. Rodrigo Soriano e D. Antonio Maura (de novembro 1915 a janeiro de 1916). Posteriormente, esteve em Paris e em Londres, a acompanhar uma comitiva do governo português, e produziu outros trabalhos jornalísticos inéditos, nomeadamente uma reportagem no campo de Northolt, que deu formação e treino a alguns aviadores portugueses, e outra no campo de prisioneiros alemães de Eastcoat. O redator Adelino Mendes foi o repórter do Corpo Expedicionário Português. Esteve em Tancos a acompanhar os exercícios militares preparatórios e a sintonizar o ânimo das tropas, de que foi dando testemunho nas suas «Cartas de “Paulona» (junho de 1916), de publicação diária. Quando os militares embarcaram para a frente de batalha, foi ao seu encontro, de comboio, a fim de redigir a crónica da «acção gloriosa» do exército português, que ficou plasmada nas suas «Cartas de Guerra» (de fevereiro de 1917 a abril de 1918). Trabalho que foi continuado pelo redator e oficial do exército Mário de Almeida, com as «Cartas de França» (de julho a novembro de 1918). Um perspetiva final da guerra, modela as cartas enviadas pelo médico José Pontes de França, onde se deslocou para participar numa «Conferencia inter-alliados» sobre mutilados, que depois tiveram continuidade numa série de artigos que tratam desse assunto e de outros relacionados com as patologias da guerra (de fins de maio a julho). No ano seguinte, por ocasião da reunião deste fórum em Londres, José Pontes integrou a delegação portuguesa e redigiu nova série de crónicas para A Capital.

Rita Correia | Lisboa, HML, julho de 2014