col. Arquivo Municipal de Lisboa
 

ACTAS DAS SESSÕES DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA (1886-1926). Embora Portugal e, consequentemente, a cidade de Lisboa, não tenham sido palco de guerra, não puderam eximir-se às consequências diretas e indiretas do conflito, cujo impacto político, social e económico assumiu proporções globais. Momento de exceção na cena internacional, o período da guerra foi também conturbado no panorama político português, com os governos de Pimenta de Castro (de janeiro a maio de 1915) e de Sidónio Pais (de dezembro de 1917 a dezembro de 1918) a marcarem o curso normal do recém-proclamado regime republicano. A importância estratégica da capital na prossecução dos desígnios políticos do país fez com que as mudanças de governo se espelhassem na sucessão dos executivos municipais, chegando, em extremo, à demissão dos poderes municipais e nomeação de Comissões Administrativas de iniciativa governamental, como aconteceu em 22 de abril de 1915 ou em 10 de janeiro de 1918.

As Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa, editadas desde 1886, passavam a escrito os debates internos da vereação, tornando-se fontes imprescindíveis para conhecer o quotidiano da gestão da cidade, tanto mais complexo quanto a autarquia, ao tempo da Primeira Guerra Mundial, assumia responsabilidades decisivas em questões como a regulação da produção e venda de bens de primeira necessidade – como o pão, a carne ou o leite –, ou a assistência social.

A primeira referência à guerra surge na ata da
sessão de 4 de agosto de 1914, e não deixa margem para dúvidas em relação à consciência já então clara da “influência que a crise iria ter na vida de cidade de Lisboa” e da importância das medidas a adotar em concertação com o Governo, que num primeiro momento se prendem com a circulação de bens considerados estratégicos e com o tabelamento de preços. Nos anos seguintes, a guerra terá uma omnipresença na governação da cidade, emergindo pontualmente na gestão de assuntos quotidianos, sobretudo na resolução de problemas ligados à escassez de bens e aumento do custo de vida: a “questão das subsistências”, que deu mesmo lugar à apresentação de um Projeto de deliberações sobre subsistências e auxílio às classes operárias, apresentado pelo vereador Lino Neto na sessão extraordinária de 23 de janeiro de 1918). Mas também na resposta ao expediente do Ministério da Guerra, crescentemente dependente da colaboração do município em assuntos como a cobrança de multas ao refratários (ata de 7 de setembro de 1916); ou em atos simbólicos demonstradores de apoio aos Aliados, como o de renomear o Bairro Brás Simões (comerciante de Lisboa) como Bairro de Inglaterra, dando às suas ruas nomes de cidades inglesas (ata de 6 de novembro de 1914); em votos de pesar pelas perdas em combate (ata de 15 de janeiro de 1915, referente às perdas em Naulila); em medidas de gestão interna (várias revisões de salários e de horários de trabalho, e atribuição de subsídios aos funcionários mobilizados); após a entrada de Portugal no conflito, no apoio a instituições de auxílio aos feridos e na reeducação e integração funcional de mutilados de guerra; no despacho de atestados de pobreza e concessão de “subsídios de amparo”, crescentemente apresentados, maioritariamente por indivíduos do sexo feminino cujos maridos ou filhos haviam sido mobilizados e, numa segunda fase, por feridos de guerra. Ou, após o armistício, na resolução de colocar nos Paços do Concelho uma “lápide de mármore e bronze” em memória dos combatentes, que não dispensaria homenagem em monumento de maior vulto, a edificar numa das mais importantes artérias da capital (ata de 14 de Novembro de 1918).

Estas Actas assumem-se como testemunho de uma ação municipal enfatizada pela conjuntura, que implicou uma gestão árdua de recursos
. Como afirmaria o vereador Levy Marques da Costa em sessão de 7 de novembro de 1917, “Os interessados, quando alguma vez ouvirem dizer que esta Câmara deixou deficit, deverão responder que ele fôra motivado pelas consequências inevitáveis das condições actuaes”.

João Carlos Oliveira | Lisboa, HML, julho de 2014